Partido Comunista Internacional



O Fio do Tempo
DIÁLOGO COM STALIN




Artigos publicados em “Il Programma Comunista”, ano 1952.
Nº 1 del 10‑24 Outubro
Nº 2 del 24 Outubro - 6 Novembro
Nº 3 del 6‑20 Novembro
Nº 4 del 20 Novembro a 4 de Dezembro
Introdução de 1953, “Edizioni Prometeo




Premissa, 1953

As páginas seguintes são retiradas do periódico do Partido Comunista Internacionalista, “Il Programa Comunista”, que há anos publica sob o título “O Fio do Tempo” uma série de estudos sobre a essência do marxismo revolucionário e sua reconfirmação através dos acontecimentos do presente período histórico.

Alguns trechos recentes destes escritos foram dedicados ao artigo de Stalin, publicado em novembro passado, sobre os problemas da atual economia russa, sob o título de “Diálogo com Stalin”, e os trechos sucessivos elucidaram e esclareceram ainda mais o argumento.

Este é o desenvolvimento consistente da atitude de crítica e contestação que em três fases sucessivas, de 1919 até os dias de hoje, foi mantida pela Esquerda comunista, forte sobretudo na Itália, onde constituiu a maioria preponderante do partido comunista fundado em Livorno em 1921.

As forças desta nossa corrente têm diminuído e hoje consistem em poucos grupos em alguns países e de um movimento pequeno, mas homogêneo e claro, na Itália. Como as adversidades da história conduziram os militantes e as massas na direção oposta (por razões que nossa crítica mostrou e explicou) e sobretudo no trabalho sistemático realizado desde o fim da guerra até os dias de hoje, o conteúdo do protesto formulado ao grande movimento que teve como apoio a revolução de 1917 na Rússia e que ainda está indo para Moscou se tornou mais profundo e recordamos aqui seus três aspectos sucessivos.

A opinião atual, e também a dos maiores estratos da classe trabalhadora, considera o movimento “de Lenin a Stalin” como uma expressão contínua e, portanto, também atual, teórica, organizada e militante da luta radical e revolucionária do proletariado contra o mundo capitalista, como um desenvolvimento da visão de Marx e Engels, como uma justificativa contra as degenerações revisionistas e oportunistas sobre Lenin e o magnífico grupo e partido revolucionário que, com ele, venceu em Outubro e reconstruiu a Internacional.

No início, este grande movimento histórico tinha entre seus grupos mais resolutos e ardentes a esquerda do socialismo italiano, que após a primeira guerra rompeu impiedosamente com os reformistas e filo‑reformistas, embora na Itália eles não tivessem sido culpados de apoiar a guerra imperialista de 1914‑18. Seguiram‑se as três fases da crítica e da ruptura cada vez mais grave, que correspondem às três fases da involução do movimento que ainda quer se chamar comunista e soviético, as três fases do novo e do oportunismo pós‑leniniano, piores do que o antigo.

* * *

Primeira divergência: no campo tático. O problema mais difícil do determinismo marxista é o da intervenção ativa do partido, dos métodos que ele adota para apressar o caminho da revolução de classes. Assim, em total concordância com a teoria geral e com a necessidade de varrer a organização de todos os não comunistas, em concordância também com o fato de que as táticas, a práxis do partido, são resolvidas de forma diferente em diferentes fases históricas principais e importantes, a esquerda contestou as táticas de “conquista de massas”, baseadas em convites para uma ação comum aos partidos social-democratas e oportunistas, que tinham seguidores no proletariado, sendo uma ação política obviamente contrarrevolucionária. A esquerda rejeitou os métodos de “frente política unida” e, pior ainda, de “governo dos trabalhadores”, nos quais queria ligar esses partidos e o nosso: previa que tal método levaria ao enfraquecimento da classe trabalhadora e à degeneração dos partidos revolucionários comunistas no Ocidente; embora fosse claro que no Oriente, ainda não capitalista, a tática poderia e deveria ser formalmente diferente, desde que fosse coordenada com o único objetivo da revolução mundial. Esta divergência provocou debates famosos entre 1919 e 1926 e terminou com a divisão organizacional.

Segunda divergência: no campo político e histórico. Em escala histórica, tudo aquilo que, na primeira fase, os contraditores de nossa atual declaração de impossível e ruinosa, ou seja, o retorno à colaboração entre classes opostas na sociedade burguesa desenvolvida, idêntica àquela que havia determinado o desastre e a traição da Segunda Internacional, se concretizou. Os partidos comunistas com sede internacional em Moscou foram levados, nos países do totalitarismo burguês “fascista”, não apenas a propor, mas a praticar alianças políticas não apenas com os partidos “socialistas”, mas com todos os partidos democráticos burgueses. O objetivo de tal novo tipo de aliança não era conduzir estes partidos ao terreno revolucionário e de classe, ideia claramente insustentável, mas utilizar o partido comunista proletário com o propósito “reacionário” de reavivar a liberdade burguesa, o parlamentarismo e o constitucionalismo burguês. Era manifesto que, se na fase anterior os partidos comunistas não tinham feito revolucionários os seguidores dos partidos pseudo-proletários, nesta fase eles tinham descido abaixo deles e tinham se tornado eles mesmos partidos antirrevolucionários. Ao mesmo tempo, o Estado russo e todos os partidos da Internacional “que mais tarde se tornaram formalmente autoliquidantes” no início da Segunda Guerra Mundial, entraram em pactos de aliança, primeiro com os estados capitalistas, justamente aqueles dos países fascistas contra os quais o “bloco de liberdade” havia sido lançado, depois com os países das democracias capitalistas ocidentais, novamente com essa bagagem ideológica podre.

Terceira divergência: no campo econômico e social. Agora que a guerra mundial terminou com a vitória militar dos “democratas”, um conflito entre aliados não está há muito tempo em curso; e na perspectiva de uma possível terceira guerra imperialista, o movimento de inspiração moscovita, apesar dos precedentes históricos indeléveis acima mencionados, está tentando conquistar o apoio da classe trabalhadora mundial, afirmando que é sempre fiel às doutrinas comunistas e que está preparando uma nova política anticapitalista, sem concessões. Uma guerra entre os antigos aliados e, em qualquer caso, a defesa da Rússia com armas, ou com insurreições de guerrilha, ou com uma campanha pacifista contra seus agressores, seria, de acordo com eles, política comunista, já que uma economia socialista teria sido construída na Rússia. A prova de que, mais cedo ou mais tarde, venha a guerra imperialista de amanhã, quer dividam suas frentes como quiserem, tal política não é nem comunista nem revolucionária, reside, portanto, no fato de que o pressuposto de uma economia proletária e socialista apenas no país russo é um pressuposto falso. As páginas seguintes fornecem tal prova, com base na doutrina marxista e nos dados fatuais confirmados por Stalin.

Neste ponto, a contraposição é de doutrina e de princípio e, portanto, é claro que as atitudes dos partidos “comunistas” fora da Rússia (nada menos que na Rússia), com uma variedade de renúncias ideológicas em questões econômicas, sociais, administrativas, políticas, jurídicas, filosóficas e religiosas, de posições antitéticas de classe, não são (e foi vão acreditar neles) meros expedicionários, atitudes e estratagemas, que visavam concentrar inteligentemente forças maiores que se revelariam como vermelhas, extremistas e revolucionárias quando a cortina fosse levantada.

Em correspondência com o objetivo histórico perseguido pela organização social na Rússia (que se mostra aqui ser, como um efeito infalível da fracassada revolução comunista europeia, não a construção do socialismo, mas do capitalismo puro), o objetivo perseguido pelos partidos “comunistas” permanece confinado ao campo dos princípios constitucionais, conservadores e conformistas, em alternativas fictícias e vazias às direções internas do capitalismo, muitas vezes em contradição com a virada da “roda da história”. Toda sua ação política leva à preservação da vida do próprio capitalismo, onde ele havia ensinado tudo o que podia e estava disposto a morrer, ou seja, até mesmo no atraso do “socialismo na Rússia”.

Não menos expressivas deste deslocamento monstruoso e fatal da frente nos planos da guerra de classes, são, tanto na Rússia como em seu movimento satélite, as atitudes da ciência, literatura e arte, que mais uma vez pisam sem gosto e sem grandeza nos próprios movimentos com os quais a burguesia moderna, então jovem e revolucionária como na visão do Manifesto, se apresentou com ousadia ostensiva nos palcos da história.

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Como é uma tradição de um século para a luta das forças que querem deter a maré do movimento proletário, socialista e marxista se camuflar nas bandeiras dos trabalhadores e usurpar os termos “socialismo” e “marxismo”, não é de se admirar que o nome “comunismo” tenha sofrido a mesma adversidade e que as tradições bolchevique, leninista, outubrista e “cominternista” tenham servido e continuem a servir à mesma confusão de nomes, termos, movimentos e partidos. Também não é mais importante que apenas alguns poucos grupos estejam lutando para restaurar o comunismo genuíno contra o comunismo “oficial” que ostenta milhões de seguidores.

Agora que o ciclo de profundo contraste está plenamente desenvolvido, não se trata mais de diferenças nos métodos de manobra e caminhos históricos que levam ao mesmo ponto máximo de chegada; tendo chegado ao ponto de oposição sobre as metas e objetivos do movimento, que é o mesmo que a diferença na doutrina e princípios de partida, o número de seguidores, a fama e notoriedade de líderes mais ou menos ilustres e corajosos não têm mais importância. São as formas típicas de produção e organização social do capitalismo e do socialismo que estão sendo opostas e combatidas, é uma questão da demanda histórica integral socialista e revolucionária redefinida em toda sua luz deslumbrante, em oposição a uma “lavagem” desbotada de superstições sociais estúpidas e vãs.

* * *

Esta forma de colocar a grande questão histórica de hoje, inteiramente baseada na definição dos objetivos e não na natureza ética ou estética dos meios, nem em receitas fingidas para reverter ad hoc os efeitos do tremendo colapso que o movimento revolucionário do proletariado moderno sofreu, serve para nos distinguir claramente, além da obscura maré estalinista, de uma variedade de pequenos grupos e autodenominados “homens políticos” que caíram presas a esta má orientação e dispersão que são inevitáveis em fases quando o vento é contrário à velocidade do furacão.

Os métodos de repressão, de esmagamento, que o estalinismo aplica a qualquer pessoa que resista a ele de qualquer lado, e que encontram ampla explicação em todas as críticas agora lembradas de seu desenvolvimento, não devem fornecer nenhum pretexto para qualquer tipo de condenação que mesmo remotamente se assemelha ao arrependimento com relação a nossas teses clássicas sobre violência, ditadura e terror como armas históricas de uso proclamado; que está longe de ser o primeiro passo para a propaganda hipócrita das correntes do “mundo livre” e sua reivindicação mentirosa de “tolerância e respeito sagrado pela pessoa humana”. Incapazes de serem os protagonistas da história de hoje, os marxistas não podem desejar nada melhor do que a catástrofe social, política e militar da dominação americana do mundo capitalista.

Portanto, não temos nada a ver com o apelo por métodos mais liberais ou democráticos, ostentados por grupos políticos ultra-equivocados e proclamados por estados que na realidade tiveram as origens mais ferozes, como o de Tito.

Já que o ponto de partida de toda a degeneração foi a maleabilidade tática e de manobra, e já que nossa corrente deu de sua influência funesta uma crítica precisa, reafirmada pela história de mais de trinta anos, não podemos ter nada em comum com os partidos mal definidos da Quarta Internacional, ou trotskistas, que gostariam de reaplicar esse método a fim de conquistar as massas unidas sob o jugo dos partidos estalinistas, que dirigem a estes últimos as demandas não atendidas por frentes comuns e que, pela força das coisas, chegam ao mesmo ponto na substituição de objetivos comunistas e revolucionários por demandas vazias, retóricas e demagógicas. Tal movimento também tem uma concepção completamente não‑marxista do estágio de desenvolvimento das formas de produção na Rússia, o que contradiz a tese compartilhada pelo próprio Trotsky de que sem revolução política proletária na Europa não pode haver economia proletária na Rússia.

Muito menos podemos nos aproximar de outros cenáculos sem sentido que procuram atribuir a solução desfavorável aos erros da doutrina geral do movimento e permitir a cada seguidor elaborar seus projetos de atualização e correção do marxismo em “discussões livres” risíveis, dando uma falsa solução ao problema da consciência teórica, que não se baseia em gênios ou em maiorias consultadas de grandes e pequenas bases, mas é um dado que em sua invariável unidade se estende por gerações e continentes. Eles resolvem o problema da retomada da ação não menos falsamente, pensando que tudo consiste em dar às massas uma nova liderança revolucionária, cada um deles sonhando insensatamente em entrar nesta equipe geral e carregar o bastão do marechal em sua mochila, tendo em vista o fato de que muitos meios-homens conseguiram fazê‑lo.

A batalha chegou ao terreno dos fins, e não dos meios, para os quais, por outro lado, temos conosco uma abundância de material vivo e poderoso, adequado para tempos favoráveis. É hora de trazer de volta diante dos olhos vendados da classe revolucionária a essência do que ela deve conquistar, não de alinhá‑la em desfile e enganá‑la em tons dramáticos de vésperas convulsivas.

O marxista sabe que, quando a hora do grande alinhamento e do grande choque soa, é a própria história, impulsionada pelo subsolo vulcânico da oposição de classe, que expulsa as pessoas decorativas dos heróis e chefes do palco e nunca deixará de encontrá‑los.

Sabendo calmamente que não estamos na década do pontapé, dispensamos alegremente os nomes ilustres e nos unimos com desincentivos à sua inutilidade cientificamente comprovada.





PRIMEIRO DIA

Escrevendo após dois longos anos um artigo de cinquenta páginas (foi a partir de 1950 o famoso artigo sobre linguística, com o qual tivemos que lidar apenas de passagem, mas que merecia ser fiado; e quod differtur...) Stalin responde sobre os pontos levantados em dois anos, não apenas no Fio do Tempo, mas também em reuniões de trabalho sobre a teoria e o programa marxista desenvolvido por nosso movimento e tornado público brevemente ou em extensão.

Isto não quer dizer que Stalin (ou seu complexo secretariado cujas redes ligam o globo) tenha dado uma olhada em todo este material e se dirigiu a nós. Se somos verdadeiramente marxistas, não se trata de acreditar que as grandes discussões históricas precisam, para a orientação do mundo, de protagonistas personificados que se anunciam à surpreendente humanidade, como quando o anjo toca do alto da nuvem a trombeta dourada e o demônio de Dante, Barbariccia, responde (de profundis no sentido próprio) com o som que você conhece. Ou como o Paladino cristão e o sultão muçulmano que, antes de levantarem suas espadas brilhantes, se apresentam com vozes altas, desafiando‑se mutuamente com a enumeração de seus antepassados e dos torneios vencidos e anunciando a morte um ao outro.

Isso é tudo o que precisamos. Por um lado, o líder supremo do maior estado da Terra e do proletariado “comunista” mundial, por outro lado, quem? oh, ninguém! Quem ficará de pé? um fantoche! Em todo caso, os fatos e as forças físicas, do fundo das situações, discutem de maneira determinista uns com os outros; e aqueles que ditam ou digitam o artigo, ou entregam a exposição, são meros mecanismos, são alto‑falantes que transformam a onda passiva em voz, e não se deve negar que algum absurdo saia dos 2.000 kilowatts do alto‑falante....

Portanto, os mesmos problemas surgem com relação ao significado das relações sociais russas de hoje e das relações econômicas, políticas e militares internacionais; elas são impostas aqui e ali, só podem ser iluminadas por comparação com a teoria do que já aconteceu e é conhecido; e com a história da teoria, que há muito tempo era comum – tendo em vista o fato de que os dados não podem ser deletados.

Sabemos, então, muito bem, que a resposta de Stalin dos altos andares do Kremlin não vem à nossa voz ou leva nossa direção; nem é necessário, para a continuidade clara do debate, que ele esteja ciente de como ontem o jornal que deu as boas-vindas foi chamado Battaglia, hoje Programma Comunista, por causa de eventos estéreis que se desenvolveram na parte do estrato dos subtons. Coisas e forças, imensas ou mínimas, passadas, presentes ou futuras, permanecem as mesmas, apesar dos enganos do simbolismo. Se a filosofia muito antiga escreveu sunt nomina rerum (literalmente: os nomes pertencem a coisas), significava que as coisas não pertencem a nomes. Ou seja, em nosso idioma, a coisa determina o nome, e não o nome a coisa. Dedique, portanto, 99% de seu trabalho sobre nomes, retratos, epítetos, vidas e tumbas de Grandes Homens: continuamos nas sombras, certos de que a geração que rirá de você, a mais ilustre da primeira e décima sexta magnitude, não está muito longe de nós.

As coisas que estão sob o presente artigo de Stalin são, no entanto, grandes demais para que possamos negar‑lhe o diálogo. Por esta razão, e não porque um tout seigneur tout honneur, nós respondemos e esperaremos a contrarresposta por mais dois anos. Não há pressa (e não há, ex‑marxista?).


Amanhã e Ontem

Os assuntos tratados são, para todos nós, cruciais do marxismo, e são quase todos pregos velhos, os quais insistimos que devemos profundamente martelar antes de podermos afirmar que somos os forjadores do amanhã.

Naturalmente, o grosso dos “espectadores” políticos distribuídos nos vários campos não ficaram impressionados com aquilo a que Stalin sugestivamente “teve que retornar”, mas sim com o que ele antecipa sobre o incerto amanhã. Atirado sobre isto (porque é isto que ele torna público), tanto os espectadores amigos quanto os inimigos não entenderam nada, e deram versões extravagantes e excessivas. A expectativa, isso é o que obscurece, e enquanto os observadores são um bando de burros, o operador, que faz girar a manivela daquelas prisões gigantescas que são os supremos escritórios do poder governamental, está precisamente na posição que menos nos permite ver ao redor e prever os fatos. Enquanto recolhemos o que foi ditado para voltar atrás, onde ninguém fecha seu campo de visão entre arcos e fumigações, todos se emocionam com as previsões sugestivas. Da forma mais existencialista, todos obedecem ao imperativo imbecil: devemos nos divertir; e a imprensa política se diverte quando, como hoje, abre um corte sobre o futuro e vê que um Super-Homem se digna a profetizar. E a previsão inesperada é a seguinte: não mais revolução mundial, não mais paz, não mais guerra “santa” entre a Rússia e o resto do mundo, mas a inevitável guerra entre estados capitalistas, entre os quais, pela primeira vez, a Rússia não está incluída. Interessante, mas certamente não novo para o marxismo e certamente não para nós, que não temos a mania do cinema político, onde o espectador não está interessado em “se é verdade” o que ele vê (em breve, com o cinema, ele será carregado à mão no meio da ação) e, uma vez terminada a ilusão da paisagem para além do mar, ele poderá ver um cinema de muito luxo, onde o espectador não está interessado em “se é verdade” o que ele vê, da loja de superluxo, do telefone branco, ou do abraço com o impecável celuloide super-vênus moderno, ele retorna contente, pobre coitado ou proletário escravizado, ao seu casebre e se esfrega contra sua esposa, deformada pela fadiga, ou a substitui por uma vênus do pavimento.

Todos eles, portanto, se jogaram ao ponto de chegada, em vez do ponto de partida. E, ao contrário, esta é a questão fundamental; há toda uma quadrilha de meias-verdades que tem pressa para pensar no depois, e que deve ser fortemente contida e empurrada para trás para compreender o antes, uma tarefa que certamente é mais fácil e que, no entanto, não fazem nem em seus sonhos mais selvagens. Quem não entendeu a página antes dele não consegue resistir à tentação de virar a página para encontrar luz no próximo, e assim a besta se torna mais bestial do que antes.

Na Rússia, mesmo que haja policiais silenciosos que chocam o Ocidente (onde os recursos de imbecilizar e padronizar cérebros são dez vezes maiores e mais repugnantes), o problema de definir o estágio social que estamos atravessando e a máquina econômica que está em movimento, se impõe por si mesmo, e chega ao dilema: devemos continuar dizendo que a nossa é uma economia socialista, comunista do estágio inferior, ou devemos reconhecer que é uma economia governada pela lei do valor, própria do capitalismo, apesar do industrialismo estatal? Stalin parece estar resistindo a tal reconhecimento e estar silenciando os economistas e chefes de fábrica demasiado avançados que são da segunda opinião; na realidade ele está preparando uma confissão não muito distante (e útil também no sentido revolucionário): a imbecilidade organizada do mundo livre lê que anunciou a passagem para o estágio pleno e superior do comunismo!

A fim de incendiar tal questão, Stalin aborda o método clássico. Seria fácil jogar a carta do abandono de qualquer obrigação para com a tradição escolar, com Marx e Lênin como teóricos, mas nesta fase do jogo pode‑se quebrar o mesmo banco. E então, pelo contrário, recomeçamos da estaca zero. Bem, é isso que queremos, nós que não temos apostas a fazer na roleta da história e que aprendemos na primeira gaguejada que a nossa era a causa proletária e que ela não tinha nada a perder.

Na época de 1952, portanto, Stalin diz que precisamos de “um manual sobre economia política marxista”; e não só para a juventude soviética, mas também para os camaradas dos outros países, os jovens e esquecidos. Cuidado! Inserir em tal livro capítulos sobre Lenin e Stalin como criadores da economia política socialista, segundo a própria declaração de Stalin, não acrescentaria nada de novo. Mas tudo bem, se isto significa que é bem conhecido que eles não o inventaram, mas o aprenderam, e o primeiro sempre o reivindicou.

Ao entrarmos aqui no campo da terminologia rigorosa e da forma “escolar”, fica estabelecido que estamos na presença de um resumo que os próprios jornais estalinistas retiram de uma agência de imprensa não‑russa, e o mais rápido possível será conveniente analisarmos o texto completo.


Mercadoria e Socialismo

A referência aos primeiros elementos da doutrina econômica serve para Stalin discutir o “sistema de produção de mercadorias em um regime socialista”. Em vários textos (que, é claro, tiveram o cuidado de não dizer nada de novo) temos mantido que todo sistema de produção de mercadorias é um sistema não‑socialista, e vamos reiterar isto novamente. Mas Stalin (Stalin, Stalin; estamos tratando de um artigo que também poderia ser de uma comissão que “em 100 anos” substituirá ou criticará um Stalin falecido ou desqualificado; em qualquer caso, o simbolismo, com suas conotações, dentro dos limites convencionais de uma prática confortável, nos serve bem) poderia ter escrito: “sistema de produção de mercadorias após a conquista do poder pelo proletariado”, e então ainda não estaríamos em blasfêmia.

Evidentemente, alguns “camaradas” na Rússia afirmaram, referindo‑se a Engels, que preservar, após a nacionalização dos meios de produção, o sistema de produção de mercadorias (ou seja, o caráter de mercadoria dos produtos) significa ter preservado o sistema econômico capitalista. Em termos teóricos, não há Stalin que possa provar que estão errados. Mas se eles disserem que, tendo sido capazes de abolir a produção do tipo mercadoria, negligenciaram ou esqueceram de fazê‑lo, então podem estar errados.

Mas Stalin quer provar que em um “país socialista” (termo de escolaridade duvidosa), a produção de mercadorias pode existir, e ele se refere às definições de Marx e à sua síntese límpida (mas talvez não impecável) em um panfleto de propaganda de Vladimir Lenin.

Sobre este assunto, isto é, sobre o tipo de produção de mercadorias, sobre seu surgimento e sua dominação e sobre seu caráter estritamente capitalista, que caracteriza o capitalismo nos tempos modernos, já discutimos várias vezes (vivenciamos em 1º de setembro de 1951 uma “Reunião de Nápoles” referida no Boletim Nº 1 do partido e em outra reunião mais recente, também em Nápoles, que consistiu em uma paráfrase e comentário ao parágrafo de Marx sobre o “caráter fetichista das mercadorias e seu segredo”. Isto foi tratado no n.º 9 de 1‑14 de maio de 1952 neste mesmo jornal e no Fio do Tempo contemporâneo: “No turbilhão da anarquia mercantil”). Segundo Joseph Stalin, pode‑se estar em um ambiente mercantil e ditar planos seguros, sem que o terrível furacão do mundo das mercadorias atraia o piloto descuidado para o centro do redemoinho e o envolva no abismo capitalista. Mas para qualquer um que leia como marxista, seu artigo denuncia que os círculos estão se apertando e acelerando, como a teoria estabeleceu.

A mercadoria, como Lenin nos lembra, é um objeto que tem duas características: satisfaz as necessidades do homem, e pode ser trocado por outro objeto. E as linhas que precedem a passagem, tantas vezes citadas de cima, são simplesmente estas: “Na sociedade capitalista a produção de mercadorias domina; e é por isso que a análise de Marx começa com a análise da mercadoria”.

E, portanto, a mercadoria tem estas duas características, e se torna uma mercadoria somente quando a segunda característica é justaposta à primeira. A primeira, o valor de uso, é completamente compreensível, mesmo para um materialista suave como nós, mesmo para uma criança. Pode ser provada pelos sentidos: quando lambemos o açúcar pela primeira vez, estendemos a mão para pedir mais. Mas é um longo caminho (e Marx voa sobre ele naquele parágrafo extraordinário) para que o açúcar assuma um valor de troca, e agora chegamos ao delicado problema de Stalin, espantado por alguém ter estabelecido uma equivalência entre algodão e trigo.

Marx, Lenin, Stalin e nós sabemos muito bem o caos que acontece quando nasce o valor de troca. Que nos diga então Lenin: onde os economistas burgueses viram as relações entre as coisas, Marx descobriu as relações entre homens! E o que os três volumes de Marx e as páginas de Lênin provam? Uma coisa bem simples. Onde a teoria economia convencional vê a equivalência perfeita de uma troca, nós não vemos mais dois objetos trocáveis, mas vemos os homens num movimento social, e não vemos mais equivalência, mas sim uma enganação. Marx fala de um fantasma que dá à mercadoria este caráter miraculoso e à primeira vista incompreensível. Lênin, como qualquer outro marxista, teria ficado horrorizado com a ideia de que as mercadorias podem ser produzidas e trocadas ao mesmo tempo em que se exorciza o demônio delas. Stalin acredita mesmo nisso, ou ele só quer nos dizer que o demônio é mais forte do que ele?

Assim como os fantasmas dos cavaleiros medievais se vingaram da revolução de Oliver Cromwell ao assombrar burguesamente os castelos ingleses entregues aos novos proprietários, assim também o duende do fetiche da mercadoria corre desenfreado pelos corredores do Kremlin e dá uma risadinha baixa detrás dos alto‑falantes divulgadores de milhões de palavras do 19º Congresso.

Querendo estabelecer que a identificação entre mercantilismo e capitalismo não é absoluta, Stalin mais uma vez emprega nosso método. Ele volta através dos séculos e lembra com Marx que “sob certos regimes (escravagista, feudal, etc.) a produção de mercadorias existiu sem ter levado ao capitalismo”. De fato, isto é o que diz a poderosa redação histórica de Marx naquela passagem, mas o alemão a faz com um fim muito diferente e com um desenvolvimento muito distinto. O economista burguês proclama que para ligar a produção ao consumo nunca poderá existir outro mecanismo que não seja o mercantil, pois ele sabe muito bem que enquanto este mecanismo estiver em vigor o capitalismo permanece mestre do mundo. Marx responde: veremos qual é a tendência histórica do amanhã; primeiramente, obrigo‑o a constatar os fatos inegáveis do passado: nem sempre foi o mercantilismo que pôde trazer o resultado do trabalho àqueles que precisavam consumi‑lo; e ele cita as economias primitivas da coleta de alimentos para consumo imediato, as antigas formas sociais de família e tribo, as ilhas fechadas do sistema feudal de consumo interno direto, sem que os produtos tenham que assumir a forma de mercadorias. Com os desenvolvimentos e complicações da tecnologia e da necessidade, abrem‑se setores que são supridos primeiro pela troca e depois pelo verdadeiro e próprio comércio. Assim (incluindo os mesmos meios que nos serviram no caso da propriedade privada) está provado que o sistema mercantil não é “natural”, ou seja, como dizem os burgueses, permanente e eterno. Este aparecimento tardio do mercantilismo (ou sistema de produção de mercadorias, como diz Stalin), esta coexistência própria à margem de outros sistemas, serve precisamente para mostrar como, tendo‑se tornado um sistema universal assim que o sistema capitalista de produção se espalhar, ele terá que morrer junto com ele.

Levaríamos muito tempo para referir, como temos feito tantas vezes, às passagens de Marx contra Proudhon, Lassalle, Rodbertus e outros cem, que se resumem à acusação de querer conciliar o a produção de mercadorias com a emancipação socialista do proletariado.

Parece difícil fazer concordar com tudo isso, o que Lenin considera um cerne do marxismo, a tese atual assim anunciada por Stalin: «não há razão para que, no decorrer de um determinado período, a produção de mercadorias não possa servir também a uma sociedade socialista» ou: «a produção de mercadorias adquire um caráter capitalista somente quando os meios de produção estão nas mãos de interesses privados e o trabalhador, que não os tem, é obrigado a vender seu poder de trabalho». Essa hipótese é, evidentemente, absurda, pois na análise marxista sempre que uma massa de mercadorias aparece é porque os proletários, privados de todas as reservas, tiveram que vender sua força de trabalho. Se no passado existiam aqueles setores (limitados) de produção de mercadorias, não é porque a força de trabalho era vendida “voluntariamente”, como é hoje, mas extorquida, pela força e violência, do trabalho de escravos presos ou servos presos em relações pessoais de dependência.

Devemos mais uma vez reiterar as duas primeiras linhas de O Capital?

«A riqueza das sociedades nas quais o modo de produção capitalista domina se manifesta como um imenso amontoado de mercadorias».


A Economía Russa

O texto que temos diante de nós, depois de tentar mais ou menos habilmente respeitar as fontes doutrinárias, move‑se para o terreno da economia russa atual, a fim de calar aqueles que teriam afirmado que o sistema de produção de mercadorias deve inevitavelmente levar à restauração do capitalismo – portanto, nós, que dizemos mais claramente: o sistema de produção de mercadorias sobrevive porque estamos no meio do capitalismo.

Sobre a economia russa, há as seguintes concessões teóricas no panfleto de Stalin: se as grandes fábricas industriais são estatais, as pequenas e médias indústrias não foram expropriadas, e seria até um crime fazer isso. A orientação, segundo o autor, seria transformá‑las em cooperativas de produção.

Existem na Rússia dois setores de produção de mercadorias: por um lado, a produção estatal, que é “de propriedade nacional”. Nas empresas estatais, os meios de produção e a própria produção, e assim também os produtos, são de propriedade nacional. Que simples: na Itália, por exemplo, as tabacarias e os cigarros que vendem pertencem ao Estado. Mas será isto suficiente para dar o direito de dizer que estamos em uma fase de “liquidação do trabalho assalariado” e que o trabalhador “não é obrigado a vender sua força de trabalho”? É óbvio que não.

Vejamos o outro setor: o setor agrícola. Nos kolkhozes, diz o papel, embora a terra e as máquinas sejam propriedade do Estado, o produto do trabalho não pertence ao Estado, mas ao próprio kolkhoz. E o kolkhoz não se desfaz dele, exceto como uma mercadoria a ser trocada pelos bens de que necessita. Entre os kolkhozes do campo e as cidades não há outros laços além daqueles dados pela troca de mercadorias: «a produção, venda e troca de mercadorias são uma necessidade para nós, não menos do que eram há 30 anos».

Esqueçamos agora a discussão sobre a possibilidade muito distante de superar tal situação. Está estabelecido que não se trata aqui da proposta que Lenin fez em 1922: «temos o poder político em nossas mãos e seguramos a situação militar, mas na economia devemos voltar à forma mercantilista, totalmente capitalista». A consequência de tal realização foi: deixemos de construir uma economia socialista por enquanto, pois voltaremos a ela após a revolução europeia.

As propostas de hoje são completamente opostas a isso.

Não se trata nem mesmo de procurar estabelecer a tese: na transição do capitalismo para o socialismo, uma certa parte da produção ainda se realiza sob a forma de mercadorias por um certo período.

Pelo contrário, aqui é dito: tudo é mercadoria; e não há outra estrutura econômica que não seja a troca mercantil e, por consequência estrita, também a compra de poder assalariado, nem mesmo nas próprias enormes empresas estatais. E de fato, onde o trabalhador da fábrica encontra os bens de subsistência? O kolkhoz vende‑os através de comerciantes privados, ou mesmo os vende ao Estado, de quem compra ferramentas, fertilizantes e outras coisas, e o trabalhador vai buscar as mercadorias, pagando‑as em moeda, nas lojas estatais.

O Estado poderia distribuir diretamente a seus trabalhadores produtos dos quais é proprietário? Certamente não, já que o trabalhador (sobretudo o russo) não consome tratores, automóveis, locomotivas, ainda menos canhões e metralhadoras. Os mesmos artigos de vestuário e ornamentos são, obviamente, de produção das pequenas e médias empresas privadas, intocadas pelo Estado.

O Estado, portanto, nada mais pode dar do que salários em dinheiro a seus dependentes, que com tal dinheiro compram o que querem (fórmula burguesa que significa: o mínimo que podem). Que o empreendedor que distribui os salários é o Estado, que se diz “idealmente” ou “legalmente” representar os próprios trabalhadores, não significa nada, enquanto tal Estado não tiver sido capaz de começar a distribuir algo fora do mecanismo da produção de mercadorias, algo estatisticamente apreciável.


Anarquia e Despotismo

Stalin recorda alguns objetivos marxistas tantas vezes reiterados por nós: reduzir a distância e a antítese entre as cidades e o campo, superar a divisão social do trabalho, reduzir drasticamente (para cinco ou seis horas imediatamente) a jornada de trabalho, o único meio de eliminar a divisão entre trabalho manual e intelectual, e eliminar os vestígios da ideologia burguesa.

Na reunião de 7 de julho de 1952, em Roma, nosso movimento se concentrou no tema do capítulo do Capital de Marx: “divisão do trabalho na sociedade e na manufatura”, e por “manufatura” o leitor entende empresa. Foi demonstrado que, para sair do capitalismo, é necessário destruir, com o sistema de produção de mercado, também a divisão social do trabalho (e Stalin se lembra de dizer isso), e a divisão empresarial ou técnica do trabalho, que consiste na brutalização do trabalhador e do despotismo fabril. Estes são os dois eixos do sistema burguês: a anarquia social e o despotismo empresarial. Ainda vemos em Stalin uma pitada de luta contra o primeiro; ele se cala sobre o segundo.

Na Rússia de hoje nada se move na direção dessas conquistas, tanto as revogadas hoje como as deixadas nas sombras.

Se uma barreira, insuperável hoje como amanhã, ser erguida entre a fábrica estatal e o kolkhoz, baixada apenas com o propósito de manter negócios mercantis recíprocos um contra o outro, o que aproximará cidade e país... o que é que diminuirá a divisão social entre trabalhador e camponês, o que libertará o primeiro da necessidade de vender muitas horas por muito pouco dinheiro e pouca comida e, assim, lhe permitirá disputar com a tradição capitalista o monopólio da ciência e da cultura?

Não apenas não estamos na fase do primeiro socialismo, mas nem mesmo em um capitalismo estatal completo, ou seja, em uma economia na qual, embora todos os produtos sejam mercadorias e circulem contra o dinheiro, cada produto está à disposição do Estado, a tal ponto que o Estado pode fixar a partir do centro todas as relações de equivalência, inclusive a de força de trabalho. Tal Estado também não seria econômica e politicamente controlável e conquistável pela classe trabalhadora e funciona a serviço do Capital, tornado anônimo e subterrâneo. Mas em qualquer caso, a Rússia está longe deste sistema e ali temos apenas o industrialismo estatal. Tal sistema, que surgiu após a revolução antifeudal, é válido para desenvolver e difundir a indústria e o capitalismo em um ritmo ardente, com investimentos estatais em obras públicas, mesmo colossais, e para acelerar uma transformação da economia e do direito agrário no sentido burguês. Mas as fazendas “coletivas” não têm nada de estatal, nada de socialista; é bastante claro; estão no nível das cooperativas que surgiram no vale do rio Pó nos tempos dos Baldini e Prampolini, que gerenciavam a produção agrícola após alugar ou comprar fazendas e terras de patrimônio nacionais como as margens do rio e outros, datando dos antigos ducados. O que o Kremlin não consegue transmitir a Stalin é que os kolkhozes sem dúvida roubam cem vezes mais do que aquelas cooperativas pálidas, mas honestas.

Assim, o estado industrial tem que negociar para comprar alimentos no campo no terreno do “livre mercado”, o que mantém a remuneração da força de trabalho e do tempo de trabalho no mesmo nível que a indústria capitalista privada. Pode‑se até dizer que, com o desenvolvimento econômico, os Estados Unidos, por exemplo, estão muito mais próximos do capitalismo de estado integral do que a Rússia, já que o trabalhador russo, em troca talvez de três quintos de sua mão-de-obra, recebe produtos agrícolas no final do circuito, enquanto o trabalhador americano, ao contrário, em troca de três quintos de sua mão-de-obra, recebe produtos industriais, e os alimentos, também são em grande parte enlatados industrialmente (pobrezinhos).


Estado e Retirada

Neste ponto surge outra grande questão: a relação entre agricultura e indústria deixa a Rússia inteiramente no terreno burguês, por mais notável que seja o avanço incessante deste último, e a este respeito Stalin confessa que não tem nem mesmo em perspectiva inovações que se aproximem, não digamos socialismo, mas uma maior condição de estadismo.

Esta retirada também é habilmente coberta por uma capa doutrinária: o que podemos fazer, expropriar brutalmente os kolkhozes? Para isso, nos faz falta a força do Estado. Mas aqui Stalin faz com que a futura abolição do Estado, que ele queria relegar para a sucata, reapareça, falando dela como se estivesse dizendo: “Mas é só piada, não é, rapazes?

Obviamente, a tese de que o estado dos trabalhadores será desmantelado quando todo o campo ainda estiver organizado em bases privadas e mercantis não é válida, pois se a tese discutida acima, a que diz que a produção de mercadorias pode subsistir na época socialista, fosse válida, seria, no entanto, inseparável da outra: enquanto a produção de mercadorias não for eliminada em todo o lugar, não pode haver a abolição do estado.

E então só podemos concluir que a solução da relação fundamental cidade-campo (que evoluiu dramaticamente a partir das características milenaristas asiáticas e feudais) é claramente apresentada como o capitalismo o apresenta e nos termos clássicos em que os países burgueses sempre o apresentaram: fazer com que o intercâmbio de mercadorias entre a indústria e o campo seja regulado racionalmente. «Este sistema exigirá, portanto, um aumento considerável da produção industrial», diz Stalin na página 95. É justamente aí que estamos. Mesmo imaginando a ausência do Estado por um momento, essa é uma solução liberal.

Estávamos dizendo que, após a relação entre agricultura e indústria, respondida por uma confissão total de impotência para fazer outra coisa que não seja industrializar e aumentar a produção (em detrimento, portanto, dos trabalhadores), há outro grande problema: a relação entre o Estado e a empresa, e a relação entre as empresas.

O problema se apresentou a Stalin sob a seguinte forma: vale para a Rússia a lei do valor, peculiar à produção capitalista? Vale, também para a indústria estatal em larga escala? Esta é a lei segundo a qual a troca de mercadorias ocorre sempre entre equivalentes: a falsa fachada de “liberdade, igualdade e Bentham”, que Marx demoliu, demonstrando que o capitalismo não produz para o produto, mas para o lucro. Entre as mandíbulas desta pinça, entre a necessidade e o domínio das leis econômicas, o Manifesto de Stalin se move de tal forma que confirma esta tese: em sua forma mais poderosa, o Capital obedece ao Estado, mesmo quando este pareça ser o proprietário legal de todas as Empresas.

No segundo dia, Oh Sheherazade, falaremos disto, e no terceiro dia dos mercados internacionais e da guerra.





SEGUNDO DIA

O tema principal de nosso primeiro dia de discussão das questões sobre as quais Stalin “respondeu” aos nossos tratamentos e esclarecimentos marxistas, para a definição precisa da economia atual na Rússia, foi contestar que pode haver compatibilidade entre a produção de mercadorias e a economia socialista. Para nós, todo sistema de produção de mercadorias no mundo moderno, no mundo do trabalho associado, ou seja, do reagrupamento de trabalhadores em empresas de produção, define‑se como economia capitalista.

Vamos agora examinar o problema das etapas da economia socialista (ou melhor, da organização socialista) e da distinção entre as etapas inferior e superior do comunismo. Antecipemos agora que no cerne de nossa doutrina (para chegar ao terreno teórico, abandonando as definições de “sistemas imóveis” e, portanto, abstratos) está a afirmação de que a passagem da economia capitalista para o socialismo não se dá em um único instante, mas em um longo processo. Assim, admitimos que pode haver coexistência de setores da economia privada com setores da economia coletiva, de campos capitalistas (e pré‑capitalistas) com campos socialistas, e durante um período mais ou menos longo. Mas de agora em diante especificamos: todo campo e setor em que circulam mercadorias, que recebe ou vende mercadorias (e entre essas forças humanas de trabalho) é uma economia capitalista.

Agora, Stalin declara em seu texto (conhecido hoje na íntegra e no original) que, no setor agrário russo, existe a produção de mercadorias e respectivamente a economia de mercado (ele confirma que há uma economia privada também com uma posse privada de certos meios de produção), e tenta manter que o setor industrial (grande indústria) produz mercadorias somente quando produz bens de consumo, e não quando se produz bens “instrumentais”; entretanto, ele quer afirmar que não somente o setor da grande indústria, mas todo o conjunto da a economia russa pode ser definida como socialista, mesmo que a produção de mercadorias continue a reger sobre grande parte.

Respondemos longamente a tudo isso recordando nosso abundante material de pesquisa sobre os textos básicos do marxismo e sobre os dados da história econômica geral e do século passado, e hoje devemos nos voltar para a questão das “leis econômicas” e da “lei do valor”.


Certezas e Incertezas

Mas antes é preciso salientar no texto em consideração que, diante das objeções a Engels de que só se deixa o capitalismo quando se deixa o mercantilismo, ou se supera o primeiro onde se supera o segundo, Stalin apenas procura ler de forma diferente um único parágrafo de Anti‑Dühring (fazendo uso magnífico, magistral, para este fim... do Estalinista Dühring), em contraste com toda a parte sobre “Socialismo”, onde a tese é propriamente desenvolvida por Engels, e nos capítulos que tantas vezes citamos: Teoria, Produção, Distribuição.

O trecho de Engels diz: «Com a tomada, pela sociedade, dos meios de produção, a produção de mercadorias é eliminada, e com isso o domínio do produto sobre os produtores».

A distinção pode (talvez) passar por uma distinção inteligente, mas é doutrinariamente errada. Engels, diz Stalin, não diz se se trata da posse de todos os meios de produção ou de uma parte deles. Agora, somente a aquisição social de todos os meios de produção (grande e pequena indústria, agricultura) torna possível abandonar o sistema de produção de mercadorias. Caramba!

Com Lênin (e Stalin) suamos, por volta de 1919, sete mil camisas para enfiar na cabeça dura dos social-democratas e libertários que os meios de produção não podem ser conquistados em um dia por um toque de varinha mágica e que justamente por isso, e somente por isso, precisaríamos do Terror, da Ditadura. Hoje, vemos serem imprimidos manuais de Economia Política que visam admitir a enormidade do fato de que todos os produtos perderão seu caráter de mercadoria em um único golpe, o dia em que um funcionário do Kremlin envie para a assinatura do sr. Stalin o decreto de expropriação da última galinha do último membro do último kolkhoz.

Em outro parágrafo, Engels fala da posse de todos os meios de produção e ainda assim ouvimos Stalin dizer que a fórmula de Engels acima mencionada «não pode ser considerada totalmente clara e precisa».

Pelas barbas do profeta Abraão, esta é uma droga forte! Precisamente Friedrich Engels, o pensativo, o sereno, o definitivo, o cristalino Friedrich, o campeão mundial do endireitamento paciente das pernas de cachorros e de torsões doutrinais, o insuperável, por modéstia e coragem, atrás apenas do tempestuoso Marx, que às vezes, pelo brilho do olhar e da linguagem é temido como sombrio, e em seu poder muito extraordinário é talvez, “talvez” mais falsificável; Friedrich, cuja prosa corre clara e desobstruída como a água da fonte, e que, por dom natural, assim como por seu rigor científico, não omite nenhuma palavra necessária, nem acrescenta nenhuma supérflua, é marcado como “carente de precisão e clareza”!

Devemos pôr as cartas em ordem: aqui não estamos no orgbureau ou no comitê de agitação, onde talvez você, ex‑camarada Josef, você pudesse ter olhado Friedrich como um igual. Aqui estamos na escola dos princípios. onde falamos da aquisição de todos os meios de produção? Talvez onde estejamos falando de mercadorias? Nunca. Engels nos lembra que esta tomada de posse de todos os meios de produção «desde o aparecimento histórico do modo de produção capitalista, tem se apresentado mais ou menos obscuramente como um ideal de futuro aos olhos dos indivíduos ou seitas». Não vamos negociar entre a clareza e a incerteza. Para nós não é precisamente uma questão de ideal, mas de ciência.

E se Engels fala novamente mais tarde da sociedade como proprietária de todos os meios de produção, está precisamente na passagem que esboça todo o conjunto de exigências que tratamos em profundidade na reunião lembrada em Roma: na medida em que somente um alvoroço assim levará à emancipação de todos os indivíduos. Engels mostra aqui como as exigências da abolição da divisão entre cidade e campo, entre trabalho intelectual e manual, da divisão social e profissional do trabalho (Stalin admite as duas primeiras, mas com outro grave erro doutrinário pretende que este problema não foi levantado pelos clássicos do marxismo!!!) já foram propostas pelos utópicos e vigorosamente por Fourier e Owen. Em ambos, vemos a demanda pela dispersão pelo campo com limitação a três mil almas nos centros habitados, com alternância constante de ocupações manuais e intelectuais para o mesmo indivíduo. Engels mostra como tais exigências justas e generosas careciam da demonstração proporcionada pelo marxismo: isto é, de sua possibilidade com base no grau de desenvolvimento das forças produtivas agora alcançado (e já superado) pelo capitalismo. Trata‑se aqui de antecipar a suprema vitória da revolução. Engels descreve aquela «organização de produção, em que o trabalho não será mais um fardo, mas uma paixão», e recorda a demonstração exaustiva já ilustrada por nós (e clássica, hóstias!) No capítulo XII do Capital sobre a destruição da divisão do trabalho na sociedade e do despotismo na empresa, estupidificador do homem. Em direção a isso, Stalin ou Malenkov não podem afirmar ter tomado qualquer passo, pois pelo contrário, como provam o Stakhanovismo e Sturmovshchina (reação dialética ao primeiro dos pobres brutos esmagados na empresa divinizada), a marcha está na direção do capitalismo mais pesado.

Stalin minimiza esses postulados reduzindo‑os à “eliminação dos contrastes de interesses” entre indústria e agricultura, entre trabalhador braçal e gerente técnico. Mas se trata de algo muito diferente! Trata‑se de abolir uma organização social, com sua distribuição fixa dos homens entre essas esferas e essas funções.

Onde essas passagens de Engels nos autorizam a dizer que, para construir esse imenso edifício da futura sociedade, não é preciso destruir um grão de produção de mercadoria, varrendo uma após outra de suas trincheiras fedorentas com cada golpe da pá?

Certamente não podemos repetir aqui para Stalin todos os capítulos, mas como sempre citaremos os trechos centrais, porque são cristalinos e indiscutíveis, que aceitamos sem restrições e não cum grano salis. Sabemos por experiência antiga, como esses grãos de sal se tornaram montanhas.

Engels: «A troca de mercadorias de igual valor, expressas pelo trabalho social, umas com as outras (ou seja, a lei do valor) é precisamente a lei fundamental da produção de mercadorias, portanto também de sua forma mais elevada, da produção capitalista». Segue‑se a conhecida crítica de que Dühring, com Proudhon, concebe a futura sociedade como mercantil e não se dá conta de que está descrevendo uma sociedade capitalista. “Sociedade imaginária”, diz Engels. Stalin pelo menos descreve uma sociedade real em um texto não desprezível.

Marx: «Imaginemos uma associação de homens livres trabalhando com meios de produção em comunidade e utilizando, segundo um plano pré‑estabelecido, suas numerosas forças individuais como uma força de trabalho social única e idêntica». Em Nápoles, comentamos palavra por palavra, demonstrando que este parágrafo inicial é todo um programa revolucionário. Com a chegada futura a esta forma de organização social, definida de forma lapidar como “comunismo”, voltamos a Robinson, de quem tínhamos partido. O que isto significa? O produto de Robinson não era uma mercadoria, mas apenas um objeto de uso, pois não havia nascido claramente a troca. Atravessamos com voo de águia toda a história humana: “Tudo isso é reproduzido aqui socialmente, não individualmente”. Aqui, na associação comunista acima mencionada, o único manual que é necessário é o manual para aprender a ler! E diz: mais uma vez, o produto do trabalho deixa de ser uma mercadoria quando a sociedade é socialista. E Marx continua a comparar este “estado de coisas” (socialismo) com a produção de mercadorias, demonstrando que esta última é seu oposto dialético, perfeito, feroz e irreconciliável.


Sociedade e Pátria

E antes de abordar a questão das leis da economia, algo ainda deve ser dito sobre a versão de Stalin da apresentação do programa socialista esculpido por Engels nesses capítulos. É tanto mais necessário quanto Stalin, ao refutar as opiniões de vários economistas russos, longe de tentar cortes e revisões do texto clássico, cita passagens inteiras, expressando a dura “condenação partidária” de qualquer violação da ortodoxia completa em tal questão.

Em todos os desenvolvimentos de sua exposição fundamental, Engels fala da apropriação dos meios de produção (e, anotemo‑lo mil vezes, em conexão com as investigações que temos dedicado ao assunto neste periódico e no Prometeo), especialmente sobre os produtos, que hoje dominam o produtor e até mesmo o comprador. Definimos o capitalismo como um sistema de negação dos meios de produção ao produtor, e como um sistema de negação da apropriação dos produtos, portanto, sempre por parte da Sociedade.

Na paráfrase moscovita, “sociedade” desaparece, e em seu lugar falamos e voltamos a falar da transferência dos instrumentos de produção para o Estado, para a nação, e depois, quando queremos mover o povo nos discursos de encerramento, que suscitam ovações rituais, para a pátria socialista!

Tendo feito um balanço da descrição staliniana, não sem dar‑lhe o mérito de ser brutalmente aberta (perde‑se o cabelo... com o que se segue), a tomada dos instrumentos de produção parece puramente jurídica, na medida em que todos os seus efeitos se limitam às páginas do Estatuto do Artel agrícola do Estado ou da última constituição Soviética (que será revisada). A carta constitucional da União, refletindo a terra, e as grandes máquinas e implementos agrícolas, é uma declaração de propriedade legal que não tem nada a ver com a disposição econômica dos produtos agrícolas, dividida entre kolkhozes coletivos e kolkhozianos individuais. Tal tomada de posse é efetiva apenas para a grande indústria, pois o Estado só dispõe dos produtos da grande indústria, e até revende aqueles que são produtos de consumo. Não há aquisição pública (não apenas dos produtos, mas nem mesmo dos meios de produção) no caso da pequena e média indústria, no caso das empresas comerciais, no caso da menor instrumentalidade do cultivo agrícola familiar e baseado em parcelas. Pouco, portanto, apesar das imensas instalações e obras gigantescas de construção pública, está realmente nas mãos e sob o controle da República, que se autodenomina socialista e soviética, pouco tem sido verdadeiramente estatizado, plenamente nacionalizado. O tamanho relativo do patrimônio do Estado, em relação a toda a economia, é talvez maior em alguns Estados burgueses.

Mas quem, que entidade e que força tem em suas mãos o que foi arrancado de mãos privadas após a revolução? O povo, a nação, a pátria? Engels e Marx nunca usaram estas palavras. «A transformação em propriedade estatal não suprime a apropriação capitalista das forças produtivas», diz Engels no capítulo citado acima.

Quando for a própria sociedade que dispõe dos produtos, ficará claro que esta será a sociedade sem classes, que superou as classes; e enquanto existirem classes, será a sociedade organizada “de uma só classe” com vistas à abolição de todas as outras classes, e também daquela única classe por consequência dialética. Aqui foi inserido o esclarecimento magistral da doutrina marxista do Estado, cristalizada desde 1847. «O proletariado toma o poder do estado e transforma os instrumentos de produção em primeiro lugar na propriedade do estado» (palavras de Marx na citação de Engels). Mas ao fazer isso, ele se anula como proletariado, abolindo todas as diferenças de classe e contrastes de classe e abolindo também o estado”. E então, e desta forma, e somente desta forma magistral, é a sociedade que vemos agindo, finalmente descartando as forças produtivas e de cada produto e recurso.

Mas o povo, o que diabos é isto? É uma hibridização entre as classes, uma integral de senhores e escravos, de empresários e profissionais do poder, com as massas de famintos e oprimidos. O povo, isso que deixamos, desde antes de 1848, para as ligas da liberdade e da democracia, para o pacifismo e o progressismo humanitário. O povo não é um sujeito de gestão econômica, mas apenas o objeto da exploração e do engano, com suas famosas “maiorias”.

E a nação? Outra necessidade e condição básica para a construção do capitalismo, ela expressa a mesma mistura de classes sociais não mais na branda expressão jurídica e filosófica, mas na expressão geográfica, etnográfica ou linguística. A nação também não se apropria de nada: em passagens famosas, Marx ridiculariza as expressões de “riqueza nacional” e “renda nacional” (importante na análise de Stalin sobre a Rússia) e mostra como a nação fica rica precisamente quando o trabalhador é explorado e enganado.

Se as revoluções burguesas e a difusão da indústria moderna no lugar dos sistemas feudais na Europa e em qualquer outro sistema no mundo fossem feitas não em nome da burguesia e do capital, mas em nome dos povos e nações, se este fosse um passo necessário e revolucionário para a visão marxista, segue daí a perfeita coerência, nos slogans de Moscou, entre a deserção da frente da economia marxista e o recuo da “categoria” proletária, revolucionária e internacionalista da sociedade, utilizada nos textos clássicos, em direção às categorias políticas da ideologia burguesa e da agitação: a democracia popular e a independência nacional.

Não é surpreendente, portanto, que após 26 anos o slogan irritante diante do qual cortamos a ponte para sempre se repita: recolher as bandeiras burguesas que, já levantadas nos tempos de Cromwell, Washington, Robespierre ou Garibaldi, caíram desde então na lama e que, ao contrário, a marcha da revolução deve impiedosamente deixar tudo isso ali, opondo a sociedade socialista às mentiras e mitos dos povos, nações e pátrias.


Lei e Teoria

A discussão também se concentrou na comparação das leis da economia russa com as estabelecidas pelo marxismo para a economia burguesa. O texto em questão é dialético em duas frentes. Alguns dizem o seguinte: se nossa economia já fosse socialista, não seríamos mais deterministicamente presos no caminho inevitável de determinados processos econômicos, mas poderíamos modificar o rumo; por exemplo, nacionalizando o kolkhoz, abolindo a troca de mercadorias e a moeda. Se você nos provarem que isso é impossível, permitamos deduzir que vivemos em uma sociedade com uma economia completamente capitalista. O que se ganha ao fingirmos o contrário?” Outros, pelo contrário, gostariam de ver um abandono decisivo dos critérios distintivos do socialismo estabelecidos pelo marxismo teórico. Stalin procura resistir a ambos os grupos. Evidentemente, estes pesquisadores ingênuos não são elementos “políticos” ativos: a prova é que, em tal caso, uma purga os teria colocado em posição de não ser um incômodo. Eles são apenas “técnicos”, especialistas da atual maquinaria produtiva, que são o único meio pelo qual o governo central pode entender se a grande maquinaria está funcionando ou não; e se eles tivessem razão, seria inútil calá‑los: a crise viria de uma forma ou de outra. A dificuldade que surgiu hoje, ou melhor, veio à tona, não é de natureza acadêmica, crítica ou mesmo “parlamentar”, pois para rir de todas estas indiretas basta não ser tanto um Hitler como o último dos Gasperini. A dificuldade é real, material, está nas coisas e não nas cabeças.

Para poder responder aos oponentes, dois pontos são apoiados pelo governo central: o primeiro é que também na economia socialista, as pessoas devem obedecer às leis da economia que não podem ser violadas. O segundo é que estas leis, mesmo no período futuro do comunismo perfeito, serão todas completamente diferentes daquelas da época capitalista estabelecida por Marx; no período socialista algumas delas serão diferentes daquelas, algumas delas sendo comuns à produção e distribuição capitalista. E assim, tendo identificado as leis que parecem insuperáveis, é necessário, sob pena de ruína, não as ignorar e, acima de tudo, não ir contra elas. Por enquanto, Stalin.

Então surge uma pergunta tão especial como essencial: entre estas, a lei do valor se aplica ou não na economia russa? E se assim for, não são todos os mecanismos que agem de acordo com a lei do valor puro capitalismo? À primeira pergunta Stalin responde: sim, a lei está em vigor entre nós, mesmo que não em todo o horizonte. À segunda: não, pode haver uma economia que, mesmo que não seja capitalista, respeite a lei do valor.

Em todo esse solene “ensaio” teórico, parece‑nos que a sistematização é um tanto deficiente, e sobretudo conveniente para os adversários polêmicos do marxismo, aqueles que usam armas “filosóficas” e terão muito fácil a assimilação sumária entre o efeito das leis naturais e econômicas sobre a espécie humana, e para aqueles economistas que há um século anseiam ansiosamente por vingança sobre Marx, que queria nos trancar no círculo: «É inútil, nunca se pode escapar das leis de desempenho econômico e da competição de interesses, como nós as vemos».

Devemos distinguir entre teoria, lei e programa. A certa altura, Stalin suspeitamente diz: «Marx não gostava (!) de abstrair‑se do estudo das leis da produção capitalista».

Já na última reunião do nosso movimento, em 6 e 7 de setembro em Milão, um dos temas principais foi demonstrar que em cada passo Marx mostra o objetivo, não apenas de descrever friamente o fato capitalista, mas de avançar o propósito e o programa de destruição do capitalismo. Não se trata apenas de derrotar essa velha e suja lenda oportunista, mas de demonstrar que todo o trabalho marxista está na natureza de polêmica e combate e, portanto, não se perde em descrever o capitalismo e os capitalismos contingentes, mas um capitalismo de tipo, um sistema capitalista, sim, abstrato, sim senhores, que não existe, mas que corresponde plenamente às hipóteses apologéticas dos economistas burgueses. O que importa de fato é o choque (choque de classe, choque de lados, não uma diatribe banal dos cientistas) entre as duas posições: aquela que quer provar a permanência, a eternidade da máquina capitalista, e aquela que prova sua morte próxima. Sob este perfil, convém ao revolucionário Marx admitir que as engrenagens estão de fato perfeitamente centradas e lubrificadas pela liberdade de competição, pelo direito de todos de produzir e consumir de acordo com as mesmas regras. Na história real do capital, isto nunca foi assim, não é e não será, e se os dados iniciais forem enormemente mais favoráveis à nossa demonstração, tanto melhor. Se, para resumir uma longa história, o capitalismo tivesse vindo a sobreviver outro século, permanecendo dinâmico e idílico, a demonstração de Marx entraria em colapso. Mas ela brilha com o poder assim que o capitalismo vive, sim, mas de forma monopolista, opressiva, ditatorial, massacrante, e seus dados econômicos de desenvolvimento são precisamente aqueles que ele deveria ter analisado a partir do tipo inicial puro; confirmando nossa doutrina, refutando a de seus servos.

Neste sentido, Marx sacrificou uma vida inteira para descrever o socialismo, o comunismo, e ouvimos dizer que se ele tivesse apenas tentado descrever o capitalismo, ele não teria dado a mínima ao primeiro.

Então, é claro, Marx estuda e desenvolve as “leis econômicas” capitalistas, mas de modo a desenvolver em oposição total e dialética o sistema das características do socialismo. Será que o socialismo tem leis? São diferentes? E então, quais delas?

Só um momento, por favor! No centro da construção marxista colocamos o programa, que é um momento após o frio estudo da pesquisa. «Os filósofos explicaram suficientemente o mundo, agora a questão é mudá‑lo» (Teses sobre Feuerbach, e todo imbecil educado acrescenta: as teses do “jovem”). Mas antes do programa e antes da indicação das leis descobertas, toda a doutrina, o sistema de “teorias”, deve ser estabelecido.

Marx encontra algumas completamente acabadas em seus próprios contraditores, como a teoria do valor de Ricardo, e a teoria da mais‑valia. Estas (não pretendemos dizer que Stalin nunca soube disto) são coisas diferentes de suas “leis de valor” e “lei de mais‑valia”, que, para não confundir os menos habilidosos, seriam mais bem chamadas: “lei de intercâmbio entre equivalentes” e “lei da relação entre a taxa de mais‑valia e a taxa de lucro”.

A distinção, que o leitor é instado a entender, também é válida no estudo da natureza física. A teoria é uma apresentação de processos reais e suas correspondências que se destinam a facilitar sua compreensão geral em um determinado campo, passando somente depois para a previsão e modificação. A lei é a expressão precisa de uma certa relação entre duas séries particulares de fatos notariais, que se vê constantemente verificada e que, como tal, torna possível calcular relações desconhecidas (futuras, senhores filósofos, ou presentes, ou passadas, não significa: por exemplo, uma certa lei, se bem estudada, pode me permitir estabelecer qual era o nível do mar no Templo de Serapis há mil anos; a única diferença é que não se pode me contar como aconteceu por meio de se pôr caudas de burro entre a Terra e a Lua). A teoria é uma questão geral, lei, uma questão muito delimitada e particular. A teoria é geralmente qualitativa e estabelece apenas definições de certas entidades ou magnitudes. A lei é quantitativa e quer chegar a sua medida.

Um exemplo da física: na história da ótica, duas “teorias” da luz se alternaram com sucesso variável. A teoria das emissões diz que a luz é o efeito do movimento das minúsculas partículas corpusculares, a teoria das ondas diz que é o efeito da oscilação de um meio fixo no qual ela é transmitida. Agora a lei mais fácil da óptica, a da reflexão, diz que o incidente do raio no espelho forma com ele o mesmo ângulo que o raio emitido. Uma vez verificada esta lei mil vezes, o jovem galante sabe onde ficar para ver a vizinha bonita que se arruma no espelho: o fato é que a lei se reconcilia com ambas as teorias e foram outros fenômenos e outras leis que determinaram a escolha.

Agora, segundo o texto de Stalin, este seria o caso: a “lei de troca entre valores equivalentes” se reconcilia tanto com a “teoria” dele que diz: «existem formas mercantis na economia socialista», como com nossa (modesta) teoria que diz: «se existem formas mercantis e grande produção, se trata de capitalismo». Para verificar a Lei, é fácil, você vai à Rússia e vê que eles trocam em rublos a preços determinados como em qualquer bazar comum: a lei de troca entre equivalentes está em vigor. Ver qual é a verdadeira teoria é um pouco mais complicado. Deduzimos: estamos em pleno, breve e autêntico capitalismo; Stalin fabrica uma teoria (precisamente: teorias são inventadas, leis são descobertas) e diz, desobedecendo o papai Marx: certos fenômenos econômicos do socialismo ocorrem normalmente de acordo com a lei da troca (chamada lei do valor).


Natureza e História

Antes de chegarmos ao ponto – quais são as leis da economia capitalista em Marx e quais delas são “discriminantes” entre capitalismo e socialismo, quais delas são (possivelmente) comuns às duas etapas – a assimilação comum entre leis físicas e leis sociais deve ser trazida à tona.

Combatentes e polêmicos como devemos ser na escola de Marx, não devemos resolver tal problema em tom escolástico, e insistir na analogia teórica, com o fim “político” de evitar que se diga: «se as leis sociais não são tão inquebráveis como, por exemplo, a lei da gravidade, vamos tirar algumas delas do caminho».

Como poderíamos esquecer que entre o colosso Marx e o bando de chicoteadores pagos nas universidades do capital, a luta continua em torno do ponto em que as leis da economia burguesa “não são leis naturais” e, portanto, podemos e queremos romper seu cerco? É verdade que a obra de Stalin nos lembra que em Marx as leis da economia não são “eternas”, mas que existem leis próprias de cada etapa e época social: escravidão, feudalismo, capitalismo. Mas então Stalin vai ao ponto de dizer que “algumas leis” são comuns a todas as épocas, e estarão em vigor também no socialismo, que também terá uma “economia política” própria. Ele ridiculariza Yaroshenko e Bukharin que teriam dito que a economia política é sucedida por uma “técnica de organização social”, e Stalin, mordaz, retorta que esta nova disciplina, abordada por economistas russos pseudo-marxistas tremendo diante da polícia czarista, é realmente uma “política econômica”, cuja necessidade ele admite como algo diferente.

Bem, pensemos nisto: se haverá uma ciência econômica no socialismo que discutiremos, mas enquanto houver uma política econômica (como deve haver também sob a ditadura proletária), há classes rivais presentes, e o socialismo ainda não foi alcançado. E devemos perguntar novamente como Lênin: quem tem o poder? E, portanto: o desenvolvimento econômico (que é gradual, nós concordamos), em que direção ele vai? As leis deste desenvolvimento nos dirão.

Quanto ao problema geral das leis da natureza e da história, os tratamentos de nossa revista teórica irão encontrar um lugar, onde possamos responder aos ataques ao marxismo (já que de mil escritores, novecentos e noventa e nove consideram Moscou como sua sede oficial) a respeito da banalidade da expressão dada à teoria (esta é uma teoria e não uma lei) do materialismo histórico, a respeito dos problemas de determinação e de vontade, causalidade e da finalidade. A posição original de Marx é sempre a batalha direta (tão mal compreendida e tão desconfortável para aqueles que fazem da política de sucesso oportunista) entre as classes opostas e seu antagonismo histórico, às vezes usando a máquina de escrever, às vezes a metralhadora (não dizemos mais a caneta e a espada). Para nós, quando a burguesia venceu, ela avançou o método científico crítico e depois o aplicou corajosamente do natural para o campo social. Descobriram e denunciaram teorias que agora são nossas: a do valor (o valor de uma mercadoria é dado pela quantidade e tempo de trabalho social necessário para reproduzi‑la) e a da mais‑valia (o valor de cada mercadoria contém capital antecipado e mais‑valia: na primeira parte é restituição, na segunda parte lucro). E disse triunfantemente: «se você admitir (e a mesma ciência de um século depois o admite) que as mesmas leis físicas se aplicam à nebulosa primitiva e à nossa terra atual, você deve admitir que todas as futuras sociedades humanas obedecerão às mesmas relações sociais, uma vez que concordamos em ambos os campos em expulsar a intervenção de Deus ou do pensamento puro da natureza e sociedade». O marxismo consiste em demonstrar cientificamente que, pelo contrário, está se desenvolvendo um ciclo no cosmo social que quebrará formas e leis capitalistas, e que o futuro cosmo social será regulado de forma diferente. Como vocês não se importam de remodelar e banalizar esta concepção poderosa ao ponto do ridículo, para efeitos “políticos” domésticos e externos, façam‑nos o favor de abandonar os adjetivos “marxista”, “socialista” e “comunista”, e de se chamarem “economistas”, “populistas”, “progressistas”, o que lhes convém muito bem.


Marx e as Leis

Engels reconhece Marx como o fundador da doutrina do materialismo histórico. Marx declara que sua contribuição para a aplicação da doutrina ao mundo atual não consiste em ter descoberto a luta entre as classes, mas em ter introduzido a noção de ditadura proletária.

A teoria assim desenvolve o programa de classe e partido, e a organização da classe trabalhadora para a insurreição e a tomada do poder. Neste grande caminho está a investigação das leis do capitalismo. Há duas leis reais e principais estabelecidas em O Capital. No primeiro volume é estabelecida a lei geral da acumulação capitalista, que é conhecida sob o nome de crescente miséria (tantas vezes tratada por nós), que estabelece que com a concentração do capital em grandes acumulações cresce o número de proletários e do “exército de reserva” (e já explicamos mil vezes que isto não significa que o nível de consumo ou o nível de vida real do trabalhador caia). No segundo e terceiro volumes de O Capital (que será objeto de uma exposição orgânica em nossa revisão como foi o primeiro) desenvolve‑se a lei da reprodução do Capital (ligada à lei da diminuição da taxa de lucro, sobre a qual nos debruçaremos mais tarde). De acordo com esta lei, uma parte do produto, e, portanto, do trabalho, deve ser posta de lado pelo capitalista para reproduzir os bens de capital dos economistas, ou seja, as máquinas desgastadas, fábricas etc. Quando o capitalista aloca uma parte maior para tal seção de reserva, ele “investe”, ou seja, aumenta o estoque de instalações produtivas e meios de produção. As leis de Marx sobre como o produto social é dividido entre consumo imediato e investimentos instrumentais tendem a provar que, enquanto o sistema de troca mercantil e salarial permanecer em vigor, o sistema irá enfrentar crises e revoluções.

Agora, a primeira lei certamente não se aplica à sociedade socialista, pois esta está organizada precisamente para fazer da reserva social uma garantia individual para todos, mesmo que ela não pertença a ninguém e esteja dividida (como no pré‑capitalismo) em X pequenas partes. A segunda lei, diz Stalin, persiste, e ele finge que Marx a previu. O marxismo afirma apenas (entre outros na famosa passagem da Crítica do Programa de Gotha) que haverá também uma dedução social sobre o trabalho individual no regime comunista, para prever a manutenção das instalações, para manter os serviços gerais e assim por diante. Ela não terá o caráter de expropriação justamente porque não será feita por meios mercantis; e justamente por esta razão a dedução social determinará um equilíbrio estável e não uma série de transtornos, na relação entre produtos a serem consumidos e produtos a serem destinados para produção posterior como meios de produção.

O ponto central de tudo isso está no seguinte: Stalin, com preciosa concessão, declara que, estando em vigor a lei do valor também na indústria estatal, estas indústrias funcionam com base na “eficiência comercial, gestão de crédito, custo de produção, preços, etc” Em vez do etc., escrevemos: lucratividade. Além disso, declara que o programa futuro é o de aumentar a produção dos meios de produção. Isto significa que os “planos” do governo soviético para industrializar o país exigem a produção de máquinas, arados, tratores, fertilizantes etc., em vez de objetos de consumo para a população, e obras públicas colossais.

Para a próxima reunião de nosso modesto movimento já estudamos um argumento sugestivo: os planos são feitos pelos estados capitalistas e serão feitos pela ditadura do proletariado. Mas o primeiro verdadeiro plano socialista será apresentado (entendemos em termos de intervenção despótica imediata: Manifesto) finalmente como um plano para aumentar os custos de produção, reduzir a jornada de trabalho, desinvestir capital, nivelar tanto quantitativamente quanto qualitativamente o consumo (que na anarquia capitalista é em 90% dos casos um desperdício inútil de produto), somente porque que isso nos permitirá responder à “gestão de crédito comercial” e aos “preços lucrativos”. É um plano, portanto, de subprodução, de redução drástica da parte produzida dos bens de capital. Mataremos facilmente a lei de reprodução, se finalmente o departamento II (que fabrica alimentos) conseguir derrubar com nocaute o departamento I (que fabrica meios de produção). A atual orquestra capitalista já rompeu nossos tímpanos.

Os alimentos são para os trabalhadores, ferramentas para os patrões: é fácil dizer que sendo o patrão o “estado dos trabalhadores”, os miseráveis trabalhadores têm interesse em “investir” e em fazer dez horas de trabalho para o departamento I! Quando Yaroshenko reduz as críticas a esta tendência de aumento fantástico na produção de ferramentas à fórmula “economia para consumo e não para produção”, ele cai na banalidade. Mas ele também cai na armadilha de recorrer (para passar escondido o industrialismo estatal sob a bandeira socialista) a fórmulas de agitação como: “quem não trabalha não come”; “abolição da exploração do homem por meio do homem”; como se o maior objetivo da classe explorada fosse o de garantir que ela seja explorada só por ela mesma.

Na realidade, e mesmo se atermos apenas à análise do mundo econômico doméstico, a economia russa aplica todas as leis do capitalismo. Como se pode aumentar a produção de bens não‑consumíveis sem proletarizar as pessoas? De onde deve retirar humanos para isso? O caminho é o mesmo que o da acumulação primitiva e muitas vezes os meios são tão ferozes quanto os descritos no Capital. Ou serão os kolkhozianos que ficarão sem a vaca leiteira, ou os pastores errantes da Ásia arrancados da contemplação das estrelas cadentes da Ursa Maior, ou os servos feudais da Mongólia arrancados de seu solo ancestral. Certamente, a palavra de ordem é: mais bens instrumentais, mais trabalhadores, mais tempo de trabalho, mais intensidade de trabalho: acumulação progressiva e reprodução do capital a um ritmo infernal.

Esta é a homenagem que prestamos ao “grande Stalin”, contra os reclames de um bando de tolos. Precisamente assim que o processo de uma acumulação capitalista inicial se desenvolver, e se isto realmente acontecer nas províncias da imensa China, no misterioso Tibete, na fabulosa Ásia Central (de onde surgiu a tribo europeia), isto será revolucionário, e irá virar a roda da história para frente. Mas não será socialismo, será capitalismo. Exigirá a exaltação das forças produtivas naquela grande parte do globo. Mas Stalin tem razão quando diz que o mérito não é de Stalin, mas das leis econômicas, que lhe impõem esta “política”. Todo o seu empreendimento está numa falsificação do rótulo: isso também é experiência clássica dos acumuladores primitivos!

No Ocidente, por outro lado, as forças produtivas já são muitas vezes grandes demais, e sua flutuação, causando uma crise após a outra, faz dos Estados opressores, devoradores de mercados e terras, preparadores de carnificina e guerra. Ali não temos planos para o aumento da produção, mas apenas o plano para a destruição de um bando de criminosos. E acima de tudo, o plano de atear fogo a sua bandeira fedorenta de liberdade e parlamentarismo.


Socialismo e Comunismo

Vamos encerrar a discussão econômica com uma síntese das etapas da futura sociedade, sobre a qual o “documento” de Stalin (procuramos essa palavra o tempo todo) é um pouco confuso. A France Press o acusou de ter plagiado do documento de Nikolai Bukharin sobre as leis econômicas do período de transição. Mas Stalin cita esse texto várias vezes, usando até as críticas de Lenin a esse respeito. Bukharin teve o grande mérito, quando foi encarregado de preparar o Programa do Comintern (que mais tarde permaneceu em forma de esboço), de enfatizar o postulado antimercadoria da revolução socialista como uma questão de grande importância. Ele também acompanhou Lenin em uma análise da transferência “na Rússia” e no reconhecimento de que, sob a ditadura proletária, algumas formas de produção de mercadorias deveriam ser toleradas.

Tudo se torna mais claro quando se enfatiza que a análise de Lênin e Bukharin não se importa com as duas etapas da sociedade comunista das quais Marx fala e que Lênin ilustra num magnífico capítulo sobre “Estado e Revolução”.

Este panorama será capaz de recapitular o não simples argumento do diálogo moderno.

A etapa de transição: O proletariado conquistou o poder político e deve colocar as classes não proletárias fora da lei precisamente porque não pode “aboli‑las” de uma só vez. Isto significa que o estado proletário vigia uma economia que em parte, sempre decrescente, tem não só distribuição mercantil, mas formas de disposição privada tanto sobre os produtos como sobre os meios de produção (tanto dispersos como aglomerados). Essa economia ainda não é socialista, é economia de transição.

Fase inferior do comunismo, ou, se se preferir, do socialismo: A sociedade já tem a disposição dos produtos em geral e os destina a seus membros numa base de cotas. Tal função não requer mais a troca mercantil ou a moeda (não se pode concordar com a perspectiva de Stalin de que é uma forma mais “comunista” a simples troca sem moeda, mas sempre com a lei do valor: seria uma espécie de retorno ao sistema de escambo). É, ao contrário, a alocação de produtos desde o centro, sem retorno de um equivalente. Exemplo: ocorre em uma região uma epidemia de malária, e o quinino é distribuído gratuitamente na área, mas apenas um tubo por pessoa.

Em tal etapa, é necessária não só a obrigação de trabalhar, mas também um registro do tempo de trabalho e de sua certificação, o famoso “voucher de trabalho”, tão discutido durante o último século, que tem a característica de não poder ser convertido em moeda ou mantido em reserva, de modo que toda tentativa de o acumular corresponde à perda de uma cota de trabalho sem compensação. A lei do valor é enterrada (Engels: «a sociedade não atribuirá valor quantitativo aos produtos»).

Etapa de comunismo superior, que não temos objeção de chamar de socialismo pleno: A produtividade do trabalho é tal que nem a coerção nem a contingência (exceto em casos patológicos) serão necessárias para evitar o desperdício de produto e de força humana. Dedução livre para consumo de todos. Exemplo: as farmácias distribuem quinino gratuitamente e sem limite. E se alguém leva dez tubos para se drogar? Evidentemente, essa pessoa será tão estúpida quanto aqueles que confundem uma sociedade burguesa podre com uma sociedade socialista.

Em qual das três etapas se encontra Stalin? Ele não está em nenhuma delas. Ele está na transição não para além do capitalismo, mas para o capitalismo. Quase respeitável, e não suicida.





TERCEIRO DIA: MANHÃ

No primeiro dia, discutimos o fato de que todo sistema de produção de mercadorias é um sistema capitalista, uma vez que homens trabalhando em massa produzem mercadorias em massa. O capitalismo e o mercantilismo desaparecerão juntos dos sucessivos campos de ação ou esferas de influência que gradualmente conquistaram no mundo moderno.

Isso foi retomado no segundo dia, passando do processo geral para o da atual economia russa. E as leis exibidas por Stalin de sua estrutura sendo consideradas justas, foi afirmado que o diagnóstico completo do capitalismo, na etapa do “grande industrialismo estatal”, estava emergindo delas.

Segundo nosso interlocutor Stalin, este processo bastante definido e concreto, aplicado a imensas áreas e populações, pode levar a uma acumulação e concentração de indústria pesada, não inferior a nenhuma, e sobre a única base da liquidação realizada (desde 1917) dos grandes proprietários de terras, sem necessariamente ter que repetir as fases de expropriação feroz das classes baixas fechadas nos círculos locais da economia e na técnica fragmentada do trabalho (como ocorreu na Inglaterra, França, etc.).

Se este segundo fato fosse reduzido à tese de que, séculos depois, a introdução profunda da técnica do trabalho em grande escala com os recursos da ciência aplicada é colocada de forma diferente em um quadro universal tão diferente, isto poderia ser objeto de um estudo separado, especialmente no que se refere à “questão agrária”. O sr. Stalin está autorizado a provar que alcançará o capitalismo pleno não por carroça, mas por avião, mas deve apontar a “direção” do movimento. Nós, pobres funcionários, estamos passando a ele desde bases no chão os dados exatos – mas assim também o radar ainda pode pifar.

E agora um terceiro fato: a estrutura das relações mundiais em todo o complexo horizonte da produção, consumo, troca; relações de força estatal e militar.

Todos os três fatos são aspectos de um único grande problema. O primeiro poderia ser chamado de aspecto histórico, o segundo de econômico, o terceiro e final, de político. A direção e o ponto de chegada da pesquisa só podem ser definidos em um.


Produtos e Trocas

Manifestamente, acontece ao chefe do estado e do partido russo que ele deve frequentemente mudar as frentes de suas retificações em doutrinas e das correlatas repreensões secas às objeções dos “camaradas”, toda vez que ele passa da circulação econômica dentro de seu círculo para a circulação através dele. Já assinalamos, lembre‑se o leitor, que este ponto de chegada fez com que os vigilantes do Ocidente levantassem suas orelhas.

Longe de mais uma vez cantar o hino a uma antiga autarquia, o homem do Kremlin tinha empunhado o binóculo (“amanhã o telêmetro?”, perguntarão aqueles com ar estudado) para observar os espaços além da cortina; e velhas histórias de partilhar zonas de influência, como alternativa à ruptura de relações e ao empunhar as espadas, ressurgirão. Entretanto, isto é menos estridente e tolo do que a ladainha do crime de genocídio ou o delírio da agressão.

Stalin nos afirma que a maneira de trazer bens industriais para a Rússia (e países aliados) para os agricultores, e bens rurais para os cidadãos, esmagando os nobres ninguéns com passagens de Marx e Engels e, quando necessário, retificando os termos, frases e fórmulas dos autores, foi plenamente afirmada sob as regras do Socialismo. Os kolkhozes vendem seus produtos “livremente”, e não há outro meio de obtê‑los; portanto, através do mercado, sim, mas com regras especiais: preços determinados pelo Estado (novidade! Promoção exclusiva!), e até mesmo “contratos” especiais de entrega de mercadorias “sem caráter de mercadoria”, na medida em que nenhuma moeda é dada, mas os suprimentos das fábricas nacionais são firmados em acordos “de deslocamento” (inovador! Aprenderam bem com o herói do próximo canto, do marinheiro americano que estabelece o equivalente entre amassos e cigarros, das “permissões” banais dos países ocidentais!). Na verdade, o Mestre não vai dizer que é bom falar de “desmercadorização”, mas que deveríamos dizer “troca de produtos” (não queremos que seja culpa das traduções).

Em resumo, todo sistema de equivalentes, mais ou menos convencional, desde o escambo próprio dos mais selvagens à moeda como um único equivalente para todos, até os milhões de sistemas de registro de performance e recompensa equilibrada, que vão desde a caderneta da secretária até os complicados arquivos bancários onde as somas são feitas por cérebros eletrônicos para calcular milhões de números por dia, enquanto que cresce a onda sufocante de vendedores de força de trabalho que não conseguem pagar o lanche. Para que tudo isso surgiu e existe, para que tudo isso serve, exceto para a troca de mercadorias, e somente para isso?

Mas Stalin quer silenciar a vozinha na sua cabeça que diz que do “equilíbrio” das trocas equivalentes nasce a acumulação privada, e diz que tem leis e garantias contra isso.

Também é difícil para o generalíssimo permanecer firme em tal tese, e golpear alternadamente em duas direções – um golpe à rigidez doutrinária, um golpe à concessão revisionista. Elasticidade do verdadeiro bolchevique marxista-leninista? Não. Isso é ecleticismo, foi nossa resposta; numa época anterior, os bolcheviques ficaram furiosos.

Entretanto, não importa a condição das relações domésticas (cujo exame não termina hoje ou aqui, como já foi dito), o próprio Stalin admite amplas preocupações quando fala das relações exteriores. O companheiro Notkin teve que lhe ouvir quieto por horas, porque argumentou que as diversas máquinas e instrumentos construídos nas fábricas do estado também são mercadorias. Elas têm valor e seu preço for notado, mas não são mercadorias? Podemos imaginar Notkin coçando sua cabeça. “Valor e preço”, diz Stalin, «é necessário em segundo lugar para realizar a venda dos meios de produção aos estados estrangeiros, no interesse do comércio exterior. Aqui, no campo do comércio exterior, mas somente neste campo (sublinhado no original)... nossos produtos são de fato commodities e são de fato vendidos (sem aspas)».

Este último parêntese aparece na versão oficial do texto: pensamos que o irritado Notkin colocou a palavra “vendido” entre aspas, o que incomoda bastante um marxista e bolchevique. É claro que ele dormiu nos cursos de treinamento mais novos.

Dentro de alguns anos, você poderia nos dar estes dados: a balança comercial, por favor, a quota-parte relativa das importações e exportações. E outra coisa: é considerado útil que esta soma suba ou desça? Sabemos que o produto total deve subir a alturas vertiginosas, por causa da lei da economia planejada “proporcional”. Sem saber russo, supomos que o bom senso é: planos contingentes de produção para que o aumento seja de proporção anual constante, na forma da lei do aumento demográfico ou de juros compostos. O termo justo que propomos é o seguinte: desenvolvimento planejado em razão geométrica. A “curva” assim corretamente traçada, nós escreveremos, com nosso mau julgamento, esta “lei”: o socialismo começa onde esta curva é quebrada.

Hoje observamos que muitos dos produtos, também instrumentos, que vão para o exterior, são mercadorias, não somente na “forma” de contabilidade, mas também na “substância”.

E uma. Basta discutir a alguns milhares de quilômetros de distância e acabamos nos entendendo uns aos outros sobre algo.


Lucro e Mais‑Valia

Um pouco mais de paciência, e poderemos falar de alta política e alta estratégia: veremos as frentes enrugadas se soltarem, já que nestas questões todos entendem a discussão: César ataca? Pompeu foge? Voltaremos a nos encontrar na batalha de Filipos? Cruzaremos o Rubicão? Este é um assunto digerível e alivia o espírito.

Um ponto da economia marxista ainda está faltando. A força das coisas leva o supremo marechal ao problema explosivo do mercado mundial. Ele diz que a URSS apoia seus países associados com sua ajuda econômica, que acelera sua industrialização. Isto se aplica à China e à Tchecoslováquia? Veremos. «Graças a tais taxas de desenvolvimento da indústria, esses países chegarão à conclusão de que não só não precisarão mais importar bens dos países capitalistas, mas também sentirão a necessidade de exportar os bens excedentes de sua produção». A habitual pergunta: se eles produzem e exportam para o Ocidente, então são mercadorias. Se exportam para a Rússia, o que são elas?

O fato importante, nesta reintrodução das bandeiras da produção mercantil, idêntica em forma e substância ao capitalismo (se acreditarmos no disfarce dos rostos econômicos!), é que ele se baseia no imperativo: exportar para poder produzir mais! E é o mesmo imperativo vigente em substância no campo interno do chamado “país socialista” onde, ao contrário, é um verdadeiro negócio de importação-exportação, entre cidade e campo, entre as famosas “classes aliadas”, porque também aí vimos que se chega à lei da progressão geométrica e ao: “Produzam mais! Produzam mais!”

O que sobre de marxismo? Quase nada! Porque, “como os trabalhadores estão no poder”, não é “necessário” mais usar, diz Stalin absurdamente, as fórmulas ofensivas que distinguem entre trabalho necessário e trabalho em excesso, remunerado e não remunerado! E porque, feito, como veremos, algum favor à lei da mais‑valia (que é, de acordo com Stalin, uma teoria e não uma lei), de hoje em diante dizem: «não é verdade que a lei econômica fundamental do capitalismo contemporâneo seja a lei da diminuição da taxa média de lucro. O capitalismo monopolista» (já perguntamos: o que você sabia sobre isso, pobre Marx?)... «não pode estar satisfeito com a taxa média de lucro, que, além do mais, após o aumento da composição orgânica do capital tem tendência a diminuir, mas busca o máximo lucro». Enquanto o parêntese do texto oficial parece por um momento chamar a lei extinta de Marx de volta à vida, então a nova é promulgada: «a busca do lucro máximo é a lei econômica fundamental do capitalismo contemporâneo» (Stalin, p. 39).

Se não pararem o lança-chamas na biblioteca, nem mesmo os bigodes dele sobreviverão.

Estes contrapontos, torcidos como são, que tentam se proteger de qualquer objeção, são difíceis de digerir. Eles afirmam que as leis econômicas do capitalismo monopolista se mostraram bem diferentes daquelas do capitalismo de Marx. Depois, eles mesmos pretendem dizer que as leis econômicas do socialismo podem perfeitamente seguir sendo as mesmas que as do capitalismo.
Abre a janela, rápido!

Comecemos de novo heroicamente pelo A‑B‑C. É preciso lembrar a diferença entre massa de lucro e massa de mais‑valia, taxa de lucro e taxa de mais‑valia, e a importância da lei de Marx, que foi exaustivamente explicada no início do livro III, sobre a tendência de queda da taxa média de lucro. Ler para aprender! Não é o capitalista quem tende a diminuir o lucro! Não baixa o lucro (massa de lucro), mas a taxa de lucro! Não a taxa de todo e qualquer lucro, mas a taxa de lucro médio social. Não toda semana, ou toda vez que o Financial Times é lançado, mas historicamente, no desenvolvimento traçado por Marx ao “monopólio social dos meios de produção” nas garras do Capital, cuja definição, gênese, vida e morte já estão escritas.

Quem entender isto, verá como o esforço, não do capitalista fabril individual, uma figura secundária em Marx, mas da máquina histórica do capital – este corpus dotado de vitalidade e alma – em lutar em vão contra a lei da queda da taxa de lucro. É precisamente esta lei que nos faz concluir sobre as teses clássicas, que Stalin, confundindo o Ocidente, admite novamente:

Primeiro: a inevitabilidade da guerra entre os estados capitalistas.

Segundo: Inevitabilidade do colapso revolucionário do capitalismo em todos os lugares.

Este esforço gigantesco com o qual o sistema capitalista luta para não entrar em colapso é expresso no slogan: Produzir infinitamente! Não apenas para não parar, mas para marcar a cada hora o aumento do aumento. Em matemática: curva de progressão geométrica; em sinfonia: “crescendo á la Rossini”. E para esse fim, quando toda a pátria for mecanizada, exportar. E conheça bem a lição dos últimos cinco séculos: “o comércio segue a bandeira”.

Mas este, Jugashvili, é o slogan deles!


Marx e Engels

Para a demonstração, devemos voltar mais uma vez a Marx e Engels. Não, porém, aos textos orgânicos e completos, de uma só vez, que cada um dos dois esculpiu com todo o vigor e com o impulso justo de quem não tem dúvidas nem lacunas e que move os obstáculos em seu caminho sem que o choque seja sentido. Este é o Marx de quem o “executor do testamento” relata nos prefácios quase dramáticos do Livro II do Capital (5 de maio de 1885) e do Livro III (4 de outubro de 1894). Antes de tudo, o estado da enorme pilha de materiais e manuscritos (desde capítulos na forma final até fólios de notas, notas, esboços, abreviaturas ilegíveis, a promessa de futuras pesquisas, e páginas incertas e hesitantes em estilo) é justificado pelo declínio da saúde de Marx, pelo efeito inevitável das várias recaídas da doença que o forçaram a pausas nas quais a ansiedade devorou o fígado e o poderoso cérebro muito mais do que o descanso os curou.

Entre 1863 e 1867, o trabalho fornecido por aquela máquina humana foi incalculável, e entre ele estava uma única fundição de aço do Livro I da obra‑prima. Já em 64‑65, a doença já havia dado seus primeiros sinais de problemas, e o olhar infalível do grande ajudante marcou os traços de sua devastação nos fascículos inéditos. Mas então o mesmo trabalho enervante – decifrar, reler, reeditar, reordenar o texto ditado, colocar o material em ordem, com a teimosa decisão de não escrever sozinho – também superou a resistência do muito robusto Engels: seus olhos generosos haviam vigiado as páginas de seu amigo por muito tempo, e uma preocupante fraqueza de visão o condenou por vários anos a reduzir seu trabalho pessoal, proibindo‑o de escrever por luz artificial. Não derrotado, não incomodado, ele apresentou suas humildes e leais desculpas à Causa. Ele não tinha permissão para fazer outra coisa. Ele lembrou com modéstia todos os outros setores nos quais ele havia suportado o fardo “sozinho”. E, um ano depois, segue‑se sua morte.

Isto não serve como um desvio ou para efeito. Ele pretende mostrar que a preocupação do compilador com a fidelidade técnica removeu quase completamente dos dois livros os capítulos de síntese e síntese periódica que se destacam no que foi escrito durante a vida de Marx. À caneta de Engels não se devem poucos desses períodos nem de pouco valor: mas ele não quis escrevê‑los sob o nome de Marx e se limitou à análise. Se não fosse assim, teria sido um desperdício de trabalho procurar certas duplicidades de leitura (hoje e meio século atrás) e por exemplo a triste lenda de que no último livro Marx havia recantado algo; e quem finge isso em filosofia, quem em ciência econômica, quem em política, de acordo com gostos pessoais equivocados. Há tantas referências e conexões expressas entre o Livro I e as obras mais jovens ou o Manifesto como há entre o último e o primeiro; e mil passagens nas cartas sublinham isto.

Este é o lugar menos apropriado para a análise de Engels. Observemos apenas que Marx diz em uma passagem, com um desses períodos, porque ele trabalha tanto na lei da taxa de queda. Pois bem, Engels hesita em se referir à passagem, ele a enquadra entre parênteses quadrados porque, embora escrita de acordo com uma nota no manuscrito original, ela excede, em alguns desenvolvimentos, o material encontrado na original.

[A lei do aumento da força produtiva do trabalho não se aplica, portanto, absolutamente ao capital. Esta força produtiva é aumentada pelo capital, NÃO POR UMA SIMPLES REDUÇÃO DO TRABALHO VIVO EM GERAL, mas somente quando poupa, na parte remunerada do trabalho vivo, mais do que o que foi acrescentado do trabalho passado, como mencionamos brevemente no Livro I, XII e 2 (valor transmitido pela máquina ao produto: atualzinho, né?). Aqui o modo de produção capitalista cai em uma nova contradição. Sua missão histórica é desenvolver em uma progressão geométrica absoluta (sic!) a produtividade do trabalho humano. No entanto, falha nesta missão desde o momento em que coloca, como no caso presente (resistência do capitalista à introdução de máquinas mais eficientes), obstáculos no caminho do aumento da produtividade. Assim, ele dá mais uma prova de sua senilidade e mostra que realmente não pertence mais ao nosso tempo”].

Indiferente à objeção de que, após mais 60 anos de capitalismo (ainda assim fortemente fedorento), em vez de removê‑lo, o colchete foi triplicado em relação ao que o imprudente Marx estava acostumado a usar, trazemos à tona as usuais teses programáticas que Marx gostava de intercalar regularmente em análises afiadas e profundas. O capitalismo vai entrar em colapso. E o pós‑capitalismo? Aqui está: conforme a força produtiva de cada unidade de trabalho aumenta, não aumentemos a massa produzida, pelo contrário, diminuamos o tempo de trabalho dos vivos. Por que o Ocidente não quer saber disso? Porque essa é a única maneira de escapar da lei da queda: superprodução. E o Oriente? O mesmo. Mas por justiça dizemos que por lá, tudo se resume ao capitalismo juvenil.


“Taxa e Massa”

Será conveniente retomar, evitando aqui tanto o caso numérico como o simbolismo algébrico, a dedução da lei que, não tendo ainda perdido a luz dos olhos, não nos adaptamos para entrar na aposentadoria, poupando ao máximo a brevidade e a leveza, e o tom da fábula. “Se mercadorias pudessem falar” – assim o imenso Marx naquele parágrafo do Capital disse – «nosso valor de uso certamente pode interessar ao homem. Não faz parte de nós, como objetos. O que nos pertence, como objetos, é o nosso valor. Isto é comprovado por nossa relação natural como coisas a serem compradas e vendidas. Só nos consideramos reciprocamente como valores de troca».

Por isso, levamos o microfone, para seu prazer, à praça onde se encontram as mercadorias da Rússia, por um lado, e da América, por outro. Foi permitido que eles falem uma língua econômica comum. Para ambas as mercadorias é sacrossanto (senão não teriam viajado por tanto caminho) que o preço de mercado ao qual aspiram deve prevalecer sobre o custo de produção. Em ambos os países de origem, o objetivo é produzi‑los a baixo custo e vendê‑los a um preço alto.

A mercadoria que vem do país de teoria capitalista declara: «sou feito de duas peças e uma única junção é visível: o custo de produção, uma viva e ardente antecipação daquele que me produziu, e o lucro, que, somado ao primeiro, dá exatamente o valor por menos do que, não fazendo ilusões, não falharei em meus princípios. Estou contente com um lucro modesto para incentivar o comprador, e você pode verificar a taxa deste lucro com uma pequena divisão: lucro dividido pelo custo de produção. Se custasse 10 e eu me deixasse possuir por apenas 11, você seria tão mesquinho a ponto de achar a taxa de 10% exagerada? Vão em frente, damas e cavalheiros...».

Vamos passar o microfone para a outra mercadoria. Ela diz assim: «entre nós, a economia marxista é muitas vezes credenciada. Em mim vocês veem (não tenho motivo para escondê‑lo) duas junções; eu sou de três peças e não de duas peças. Na outra mercadoria há o truque de que a terceira não é vista. As despesas feitas para me produzir são de dois tipos: matérias-primas, consumo de instrumentos e afins, que chamamos de capital constante (investido em mim) e a compensação do trabalho humano, que chamamos de capital variável. A soma forma o custo de produção, que a outra senhora já falou antes. Acrescente também para mim um saldo, lucro, ganho, que é minha terceira e última peça, e que é chamado de mais‑valia. Para a parte constante do adiantamento, não pedimos nada em adição, porque sabemos que é estéril de força reprodutiva, de maior valor: esta reside inteiramente no trabalho, ou parte variável do adiantamento, que é o que cria valor. Faça, portanto, o favor de verificar o tipo ou taxa não do lucro, mas da mais‑valia, com a divisão desse valor excedente somente para a segunda parte do capital gasto em mim, que é gasto em salários».

O comprador comum responde: «vá e diga isso para o seu cabeleireiro! O que importa para minha carteira é o custo total de ambos, ou seja, o valor para a venda respectiva dos dois».

Surge uma briga entre as duas mercadorias, cada uma das quais sustenta que quer fazer um negócio menos vantajoso para si e mais para o comprador, contentando‑se com uma taxa de lucro menor. Assim, como nenhuma das duas pode reduzi‑lo a zero, vence aquela que realmente tem o menor custo de produção, como também invoca Stalin a cada momento. Para a parte constante, as matérias primas devem ser de uma certa quantidade e qualidade. Nos dois campos de exportação, a disputa será sobre a parte variável. Existe o meio óbvio de pagar menos ao trabalhador e fazê‑lo trabalhar mais, mas acima de tudo está em jogo a produtividade da mão-de-obra, ligada ao aprimoramento tecnológico, ao uso de máquinas mais lucrativas, à organização mais racional das instalações; e aqui está a exibição das fotos enganosas de grandes instalações, por um lado, e, por outro, com o orgulho de ter reduzido cada vez mais, para a mesma massa produzida, o número de trabalhadores empregados. Uma questão ainda menos preocupante para o agente de compras no mercado disputado seria saber em qual caso os trabalhadores são mais bem remunerados e tratados.

Não nos parece doloroso para o leitor notar a diferença entre os dois métodos de análise de valor. O tipo, ou taxa, de mais‑valia, é sempre muito mais forte do que a taxa de lucro, e isto quanto mais o capital mais constante prevalece sobre o capital variável.

Agora, a lei de Marx sobre a queda da taxa média de lucro considera todo o lucro, ou seja, o lucro global sobre a produção em questão, antes de estabelecer para quem este lucro irá (banqueiro, industrialista, proprietário). No capítulo XIII do Livro II, Marx comenta ter tratado a lei “de propósito” antes de passar à distribuição de lucro (ou mais‑valia) entre os vários tipos sociais, porque a lei é verdadeira independentemente de tal distribuição. Portanto, é verdade também quando é o Estado que é o proprietário, banqueiro e empresário.

A lei se baseia no processo histórico geral – negado por ninguém, defendido por todos – que com a aplicação ao trabalho manual de instrumentos, ferramentas, máquinas, dispositivos, recursos técnicos e científicos cada vez mais complexos, sua produtividade aumenta incessantemente. Para uma certa massa de produtos, são necessários cada vez menos trabalhadores. O capital que teve que ser retirado, investido, para ter em mãos aquela dada massa de produtos, muda continuamente, o que Marx chama de composição orgânica: contém cada vez mais capital material e cada vez menos capital assalariado. São necessários poucos trabalhadores para dar uma enorme “adição de valor” aos materiais trabalhados, já que eles podem trabalhar muito mais do que no passado. Isto também está de acordo. E então? Mesmo que o capital, como muitas vezes acontece (mas enquanto isso ocorre frequentemente, só tem o caráter de lei marxista para os revolucionários de terno), aumenta a exploração, aumenta a taxa de mais‑valia, pagando menos aos trabalhadores, a mais‑valia e o lucro obtido aumentarão, mas dado o aumento muito maior da massa de materiais comprados, trabalhados apenas através de mão-de-obra em escala equivalente, a taxa de lucro sempre cairá, na medida em que a taxa é dada pela relação de lucro, algo acrescentado, para todo o adiantamento de salários e materiais, enormemente aumentado no que diz respeito ao segundo item.

O capital busca o lucro máximo? É claro que o busca, e o encontra, mas não pode impedir que a taxa de lucro caia nesse período. A massa de lucro aumenta, porque a população aumentou, o proletariado aumentou ainda mais, os materiais trabalhados estão se tornando cada vez mais impressionantes e a massa de produção está aumentando. Na infância: pequenos capitais divididos por muitos e investidos a uma boa taxa; na velhice: enormes capitais, divididos por muito poucos (e aqui o efeito da concentração que desenvolve paralelamente à acumulação) investidos, é claro, a uma taxa decrescente, mas com o resultado que o capital social, o lucro social, o capital e o lucro empresarial médio, sobem incessantemente a alturas vertiginosas.

Assim, não há contradição com a lei de Marx sobre a taxa decrescente, que só poderia ser detida por uma diminuição da produtividade do trabalho, por uma degeneração da composição orgânica do capital; coisas contra as quais Stalin dispara com a artilharia mais pesada, coisas em cujo terreno ele desesperadamente tenta superar o adversário.


Oitocentos e Novecentos

Na última edição deste jornal publicamos algumas figuras sóbrias de fontes capitalistas sobre a economia americana. Tiramos deles a confirmação da lei estabelecida por Marx e negada por Stalin. Em 1848, dizem as estatísticas, no nascimento do capitalismo industrial nos Estados Unidos, de 1000 de valor que era acrescentado na produção ao valor do que era trabalhado quando era bruto, 510 foram para os trabalhadores como salários, 490 para os empregadores como lucro. Evitando detalhes de desgaste de máquinas, despesas gerais etc., os dois números dão respectivamente capital variável e mais‑valia; sua proporção, ou taxa de mais‑valia, é de 96%.

Qual teria sido a taxa de lucro de acordo com a maneira burguesa de calcular? Teremos que conhecer o valor dos materiais trabalhados. Só podemos estimar isso, supondo que em uma pequena indústria cada trabalhador em média produza um valor de cerca de quatro vezes o seu salário. O material representará 2.040 unidades contra 510 dos salários. Custo total de produção, 2.550. Aumento da taxa de lucro: 19,2%. Observe, entretanto, que está sempre abaixo da taxa de mais‑valia.

Após um grande ciclo de aumento espantoso, em 1929, de 1.000 unidades de valor agregado ao produto, os trabalhadores receberam apenas 362, e os capitalistas 638. Não se enganem: até a sexta-feira negra os salários tinham subido e o nível de vida dos trabalhadores também tinha subido acentuadamente, isto não o contradiz. A taxa de mais‑valia ou exploração subiu bastante: de 96% para 176%. Se, depois de ter desgastado seus dedos até os ossos escrevendo, ainda há quem não entenda que se é mais explorado mesmo que se tenha salários mais altos e se coma melhor, deixe‑o ir para casa. Ele não entende o efeito do aumento da produtividade da força de trabalho, que consiste no suor do trabalhador e acaba no bolso do burguês.

Vamos agora procurar avaliar toda a produção. Admitimos (com a certeza de que quem tem um pouco de familiaridade com a construção de sínteses, sempre tendo cautela em sua tese, pois o inimigo vai checar tudo umas 15 vezes) que a possibilidade de processar materiais aumentou dez vezes, graças à maquinaria, com igual emprego de mão-de-obra, de 1848 a 1929. E então, se com 362 dados aos trabalhadores, ao invés de 510 antes, os 2040 materiais teriam caído para 1.448, eis que, ao contrário, subiram para 14.480. Com as despesas totais investidas a 14.842 unidades e um lucro conhecido de 638, a taxa de lucro é de 4,5%. Aqui está a queda na taxa de lucro! Não se limite a saudar Marx, evite tirar seu lenço para enxugar as lágrimas capitalistas do Tio Sam! Você terá entendido que estávamos procurando as taxas, não as massas.

Para ter uma ideia dos valores globais de produção, mesmo que não em valor real, mas em relação figurativa entre as duas épocas, observaremos que os dois blocos dão para 1848 o produto bruto 3.040 e para 1929 os 15.480 brutos referem‑se a grupos não muito diferentes em termos de número de produtores. Mas nesses 80 anos a população de trabalhadores aumentou pelo menos dez vezes, para utilizar sempre números redondos, e, portanto, o produto total pode muito bem ser avaliado em 154.800, quase 50 vezes o de 1848. Enquanto a taxa de lucro do empregador caiu de 19,2% para 4,3%, em média, a massa de lucro subiu de 490 para 6.390, catorze vezes mais alta.

É bem certo que nossos dados são muito moderados; o essencial foi enfatizar que o capitalismo americano obedeceu à lei da taxa e fez a busca pelo lucro máximo. Stalin não pode descobrir novas leis disso. E não levamos em conta a concentração; dê‑lhe um índice de 10 e o lucro médio da empresa americana terá se multiplicado (como uma massa) por 140.

Aqui está a corrida para a crise. Aqui estão as confirmações de Marx.

Vamos nos permitir outro cálculo, embora mais hipotético. A classe trabalhadora da América toma o poder com uma situação do tipo 1929; repetimos: 14.480 materiais em mão-de-obra, 362 mão-de-obra, 638 lucros, 15.480 produto total.

E então os trabalhadores leem Marx e utilizam «a força produtiva aumentada pelo capital através da simples redução da mão-de-obra viva». Um decreto do comitê revolucionário comprime a produção para 10.000 (até onde cortar, veremos então, basta pensar que não teremos mais eleições presidenciais ou outros rituais). A partir desta parte, o trabalhador se contentará em acrescentar a seus 362 salários não todo o lucro (que é bruto, com impostos e serviços gerais), mas muito menos, por enquanto, e nós o elevamos para 500. Para a dedução geral para a manutenção das instalações públicas e da administração do Estado, é claro, deduzimos mais do que os 638 dos capitalistas demitidos, ou seja, 700. Quando fazemos as contas, há apenas 8.800 materiais para trabalhar em vez de 14.480, e se o número de trabalhadores permanecer constante, a jornada de trabalho de cada um é reduzida em 40% e aproximadamente de 8 para menos de 5 horas. Um bom primeiro passo. Se tivéssemos que calcular o salário por hora, veríamos que teríamos aumentado em 132%: de 44 para 103.

Ainda não seria socialismo. Mas enquanto Stalin vê uma nova lei do socialismo, que não é mais do que uma lei capitalista clássica (que com o aumento da produtividade do trabalho, a produção aumenta), nós nos opomos à lei inversa: que com o aumento da produtividade do trabalho, o esforço diminui, e a produção ou permanece constante, ou, depois de termos arrancado os capitalistas sanguessugas, aumenta novamente com uma curva suave, adequada com a harmonia humana.

Embora ressoe o apelo ao esforço frenético para produzir, não pode ter outro significado senão o de uma resistência exasperada à lei marxista da queda da taxa de lucro. A taxa irá cair, mas para que a massa de mais‑valia e lucro também não comece a cair, intervém a retórica autoritária-progressiva, e gritam para uma humanidade mal orientada: trabalhem mais, produzam mais, e se, dada sua remuneração, os trabalhadores internos não puderem comprar previsivelmente a superprodução, encontrem uma forma de exportar conquistando os mercados estrangeiros que estão fora de nosso consumo! Este é o circuito infernal do imperialismo, que encontrou na guerra sua solução – e uma fuga temporária da crise final da reconstrução de todo um aparato secular humano destruído, criado em séculos.

Todos estes mesmos caminhos seguidos por Stalin: a reconstrução das partes devastadas, a construção daí dos equipamentos capitalistas em imensos territórios, e hoje, a competição pelos mercados. Tal marcha, empreendida por qualquer um, só pode ser feita por dois caminhos: a guerra e o baixo custo de produção.

Encerraremos esta exposição da lei fundamental de Marx com um novo enunciado do capitalismo que ele coloca em apêndice e que, como sempre, é válido como um programa social comunista (final do capítulo XV, livro III).

Três fatos principais da produção capitalista:

Primeiro: concentração dos meios de produção nas mãos de alguns poucos indivíduos. Estes meios de produção deixam assim de aparecer como propriedade do produtor imediato e se transformam em poderes sociais de produção. Mesmo que, a princípio, tais poderes são propriedade privada dos capitalistas. Estes são os acionários do truste da sociedade burguesa, mas embolsam todos os lucros deste truste.

Em seguida, Marx não o escreve, mas ele significa que tais figuras pessoais secundárias podem desaparecer, e o Capital continua sendo um Poder Social.

Segundo: organização do trabalho como trabalho social, através da cooperação (trabalho associado), divisão do trabalho e a união entre o trabalho e as ciências naturais. Em ambos os sentidos, o modo de produção capitalista suprime, embora de formas contraditórias, a propriedade privada e o trabalho privado.

Terceiro: a formação do mercado mundial.

* * *

Como de costume, o “fio” nos levou onde deveria levar. O leitor deve saber que o dia ainda não terminou, mas só chegou ao meio‑dia. A manhã pode ter sido dura, pesada, uma sinfonia de Wagner.

Será que a tarde de encerramento será uma canção mais fácil no caminho áspero? Talvez. “L’aprè‑midi d’un faune”, de Debussy? Mas o fauno só poderia ter as formas rudes e os movimentos ameaçadores do sanguinário Marte.





TERCEIRO DIA: TARDE

Nos dois primeiros dias e na manhã do terceiro dia, extraímos dos conhecidos escritos de Stalin todos os elementos úteis para estabelecer por quais leis a economia russa é governada.

Em termos doutrinários, contestamos profundamente que uma economia caracterizada por estas leis pode, no entanto, ser definida como socialismo mesmo no estágio mais baixo, e não menos contestado que os textos fundamentais de Marx e Engels podem ser invocados para este fim, onde as características econômicas do capitalismo, as do socialismo e os fenômenos que permitem verificar a transição econômica do primeiro para o segundo são lidos com notas claras, mas certamente não com a fluidez banal de um romance seriado.

De fato, tem sido possível chegar a uma série de conclusões estáveis. No mercado interno russo está em vigor a lei do valor, portanto: a) os produtos têm o caráter de mercadorias; b) existe um mercado, e a troca ocorre entre equivalentes, como exige a lei do valor, c) os equivalentes são expressos em dinheiro.

A grande massa das fazendas no campo trabalha apenas para a produção de mercadorias e, em parte, com uma forma de alocação de produto para o trabalhador individual da parcela (que em outro tempo de trabalho funciona como produtor cooperativo, associado ao kolkhoz), cuja forma está ainda mais longe do socialismo e, em certo sentido, é pré‑capitalista e pré‑mercado.

As pequenas e médias empresas que produzem bens manufaturados também trabalham para a venda no mercado.

Finalmente, as grandes fábricas pertencem ao Estado, mas são obrigadas a manter contas em moeda, provando que, se a lei do valor é respeitada nos preços do que é produção ou despesa (matérias-primas, salários pagos) e do que é recebido (produtos vendidos), há lucratividade, ou seja, um lucro positivo, um excedente.

A demonstração do significado da lei marxista da taxa de lucro e de sua diminuição tem servido bem para mostrar que a antítese de Stalin está vazia: como o poder está nas mãos do proletariado, a grande máquina da indústria nacionalizada não buscaria o volume máximo de lucro como nos países capitalistas, mas seria guiada pelo máximo bem‑estar dos trabalhadores e do povo.

Além das mais amplas reservas sobre a falta de oposição radical entre os interesses, mesmo os interesses imediatos, dos trabalhadores da indústria estatal e os do “povo soviético”, essa confusão de camponeses isolados ou associados, comerciantes, gerentes de pequenas e médias empresas industriais, etc., etc., etc., a prova de que a lei capitalista da queda da taxa de lucro está em vigor é encontrada na afirmada “lei do aumento da produção nacional planejada em progressão geométrica”, ditada por Stalin. Se um plano de cinco anos impôs o aumento da produção em 20%, ou seja, de 100 para 120, o próximo plano imporá mais vinte por cento, ou seja, não de 120 para 140, mas de 120 para 144 (um aumento de vinte por cento sobre 120 no início do novo período de cinco anos). Aqueles que conhecem os números sabem que a diferença parece pequena no início, mas depois se torna gigantesca. Lembram‑se da história do inventor do jogo de xadrez a quem foi oferecido um prêmio pelo imperador da China? Ele pediu que um grão de trigo fosse colocado na primeira casa do tabuleiro de xadrez, dois na segunda, quatro na terceira. Todos os celeiros do império celestial não seriam suficientes antes que os sessenta e quatro quadrados fossem preenchidos.

Agora esta lei de fato nada mais é do que o imperativo categórico: produzam mais! Um imperativo peculiar ao capitalismo e derivado das sucessivas causas: aumento da produtividade do trabalho – aumento do capital constante em relação ao capital de trabalho na composição orgânica do capital – diminuição da taxa de lucro – compensação por esta diminuição com o aumento frenético de capital investido e da produção de mercadorias.

Se tivéssemos começado a construir algumas moléculas de economia socialista, perceberíamos que o imperativo econômico mudou e é nosso: o poder do trabalho humano é aumentado pelos recursos técnicos; produzir o mesmo, e trabalhar menos! E em condições reais de poder revolucionário do proletariado, em países já muito bem equipados mecanicamente: produza menos e trabalhe ainda menos!

A última verificação dos fatos, depois disto (crucial) que o slogan da URSS é o “aumento da massa de produtos”, é que uma grande parte dos produtos da grande indústria do Estado tende a ser despejada nos mercados estrangeiros, e neste caso é declarado abertamente que a relação é mercantil não só no registro contábil, mas na substância das coisas.

No centro disto está a admissão de que, mesmo que seja por razões de competição mundial (sempre pronto para lutar não com preços baixos, mas com fogo de canhão e bombas atômicas), não é possível “construir o socialismo em um só país”. Somente na hipótese absurda de que poderiam se fechar numa verdadeira cortina de ferro, seria possível começar a converter as conquistas técnicas da produtividade do trabalho, associadas a um planejamento (“feito pela sociedade no interesse da sociedade”), em uma redução do esforço interno do trabalho e da exploração do trabalhador. E somente em tal hipótese, o plano, abandonando a louca curva geométrica da insanidade capitalista, poderia ser: uma vez atingido um determinado padrão de consumo para todos os habitantes, fixado pelos planos, não haverá mais produção e será evitada a tentação criminosa de continuar aumentando a produção a olhar para fora do círculo onde ela pode ser lançada e imposta.

Pelo contrário, toda a atenção do Kremlin, doutrinal e prática, é desviada para o mercado mundial.


Concorrência e Monopólio

Uma consideração insuficiente das teorias marxistas do colonialismo moderno e do imperialismo é que elas devem ser justapostas como coisas distintas, ou pelo menos como desenvolvimentos complementares, à descrição marxista do capitalismo de livre competição, uma vez que ele teria se desenvolvido mais ou menos até 1880.

Com várias contribuições, temos insistido no fato de que toda a descrição alegadamente fria do capitalismo “liberal” e “pacífico” (algo que nunca existiu) é em Marx nada mais que uma gigantesca “demonstração polêmica de um partido e uma classe” com a qual, aceitando por um momento que o capitalismo funciona de acordo com a dinâmica ilimitada do livre intercâmbio entre os portadores de valores iguais (que não expressa nada mais que a famosa lei do valor), chega‑se à essência do capitalismo, que é um monopólio de classe sobre a sociedade, incessantemente dirigido, desde os primeiros episódios de acumulação inicial até as guerras modernas de bandidagem, para saquear os balanços gerados, sob o disfarce da troca acordada, livre e igualitária.

Se, assumindo a plataforma de troca entre mercadorias de igual valor, a formação de mais‑valia e seu investimento e acumulação em capital novo e cada vez mais concentrado for demonstrada, se for demonstrado que a única maneira (compatível com a sobrevivência do modo de produção capitalista) de sair das contradições entre acumulação nos dois polos de riqueza e miséria (respectivamente) e de se defender contra a lei sucessivamente deduzida da queda da taxa, é produzir mais e mais, e produzir além das necessidades de consumo, é claro que desde o início há, e haverá, um choque entre os vários Estados capitalistas, cada um dos quais é levado a tentar fazer com que suas mercadorias sejam vendidas na área do outro, a jogar sua crise para o outro gramado, provocando‑a em seu rival.

Como a economia oficial tenta em vão provar que é possível, com as fórmulas e cânones da produção de mercadorias, chegar a um equilíbrio estável no mercado internacional, e até mesmo sustenta que as crises cessarão exatamente assim que a organização capitalista civilizada se espalhar por toda parte, Marx teve que descer à discussão abstrata das leis de um país único fictício, com capitalismo totalmente desenvolvido e sem comércio exterior. É muito claro que onde surgem as relações acima descritas entre duas economias fechadas, elas são um elemento não de pacificação, mas de agitação, e a tese que está contra nós (sobre uma “organização global civilizada”) está obsoleta, com maior razão.

Nossa situação teórica só teria sido errada se os primeiros 50 anos do século atual tivessem sido passados nadando em leite e mel econômico e político, com tratados de liberalização comercial e neutralidade e desarmamento: ao contrário, sendo o mundo cem vezes mais capitalista, tornou‑se cem vezes mais agitado em todos os sentidos.

Como de costume, para mostrar quem é aquele que não muda as cartas: nota ao parágrafo 1 do cap. XXIV do Capital, Livro I. «Aqui a abstração é feita do comércio com o exterior por meio do qual uma nação pode converter artigos de luxo em meios de produção ou em bens de subsistência básicos e vice‑versa. Para examinar o objeto da investigação em sua pureza, deve‑se considerar o mundo comercial como uma única nação e supor que a produção capitalista se estabeleceu em todos os lugares e tomou posse de todos os ramos da indústria».

Desde o início, todo o ciclo do trabalho de Marx, no qual (como sempre afirmamos) a teoria e o programa são inseparáveis a cada passo, tende a concluir na fase em que as contradições dos primeiros centros capitalistas são reproduzidas e transferidas para o plano internacional. A demonstração de que um “pacto de paz econômica” entre as classes sociais de um país é impossível como solução definitiva e regressiva como solução contingente está em plena consonância com a demonstração análoga do “pacto de paz” ilusório entre Estados.

Várias vezes foi lembrado que Marx no prefácio da “Crítica de Economia Política” de 1859 traça esta ordem de argumentos: capital, propriedade da terra, trabalho assalariado, Estado, comércio internacional, mercado mundial. Sob as primeiras seções ele examina as condições de existência das três grandes classes nas quais a atual sociedade burguesa está dividida, e acrescenta que o elo entre as três seções sucessivas “salta aos olhos de todos”.

Quando Marx começou a escrever Capital, cuja primeira parte absorveu o material da Crítica, o plano, por um lado, foi aprofundado, por outro, parecia ser limitado. No prefácio do primeiro livro, sobre o Desenvolvimento da Produção Capitalista, Marx anuncia que o segundo tratará do Processo de Circulação do Capital (reprodução simples e progressiva do capital investido na produção), e o terceiro com as “Conformações do Processo Integral”. Além do quarto, sobre a história das teorias do valor, para a qual há material desde a Crítica, o terceiro livro trata de fato da descrição do processo de distribuição de mais‑valia entre os capitalistas industriais, proprietários de terras e banqueiros, e encerra com o capítulo “inacabado” sobre “Classes”. De acordo com as evidências, a versão final deveria concluir com o problema do Estado e do mercado internacional, ao qual outros textos anteriores e posteriores decisivos do marxismo são acrescentados.


Mercados e Impérios

No próprio Manifesto e no primeiro livro do Capital, como é bem conhecido, as referências à formação no século XV, após as descobertas geográficas, do mercado ultra-oceânico, como fato fundamental da acumulação capitalista, e às guerras comerciais entre Portugal, Espanha, Holanda, França e Inglaterra, são de primordial importância.

Na época da descrição polêmica e de batalha de classe do capitalismo “típico”, é o império inglês que domina a cena mundial, e Engels e Marx dedicam a ele e a sua economia interna o máximo de atenção. Mas esta economia é, em teoria, liberalismo; é imperialismo e monopólio mundial na realidade, desde pelo menos 1855. Lênin, no Imperialismo, toma nota do prefácio que Engels escreveu em 1892 para uma nova edição de seu estudo “A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra”, de 1844. Engels se recusa a «apagar dessa obra antiga muitas profecias, dentre elas a revolução proletária na Inglaterra». Parece mais importante para ele ter previsto que a Inglaterra perderia seu monopólio industrial no mundo; e ele estava certo mil vezes. Se o “mercado mundial e monopólio colonial”, de acordo com as citações de Lênin, serviu para acalmar o proletariado inglês, o primeiro a se formar no mundo com contornos de classe afiados, o fim do monopólio britânico lançou as sementes da luta de classes e da revolução em todo o mundo; é claro que isso nos levará mais tempo do que no fictício “único país completamente capitalista”, mas para nós a solução revolucionária já é tida como certa na doutrina, e os desvios e razões por seu “adiamento” só a confirmam. Ela virá.

Vamos citar um trecho diferente daqueles que Lenin cita desse texto: «A teoria do livre comércio tinha no fundo uma suposição: que a Inglaterra se tornaria o único grande centro industrial de um mundo agrícola, e os fatos têm desmentido completamente essa suposição. As condições da indústria moderna podem ser produzidas onde quer que haja combustível, e especialmente carvão, e outros países o possuem: França, Bélgica, Alemanha, Rússia, América... (As novas formas físicas modernas de energia apenas reforçam a dedução). O pessoal de lá não viu vantagem em permanecerem no nível dos pobres fazendeiros irlandeses, trabalhando meramente para a riqueza e glória dos capitalistas ingleses. Eles começaram a produzir manufaturas, não só para si mesmos, mas para o resto do mundo, e a consequência é que o monopólio industrial que a Inglaterra possui há quase um século está hoje irremediavelmente quebrado».

Paradoxo, talvez? Conseguimos refutar a comédia do capitalismo livre com a análise de um caso contingente, somente na medida em que foi o caso mais escandaloso da história, da queda de um monopólio mundial. Deixe fazer, deixe que passe, mas mantenha a marinha armada, maior que a soma de todas as outras, pronta para não deixar escapar os Napoleões das Santas Helenas...

Na manhã deste dia citamos uma passagem do Terceiro Livro de Marx que, em uma nova síntese das características do capitalismo, fecha com o parágrafo: Formação do mercado mundial. Não seria errado dar a partir dele outro fragmento poderoso.

"O verdadeiro limite da produção capitalista é o próprio capital. É fato de que o capital, com sua própria expansão, aparece como começo e fim, como causa e objetivo da produção, que sua produção não é nada mais que produção para o capital, e não ao contrário (atenção! Agora o programa! Programa da sociedade socialista!). Os meios de produção não são meros meios para um desenvolvimento cada vez mais amplo do processo de vida para a sociedade dos produtores. Os únicos limites dentro dos quais podem se mover a preservação e expansão do valor-capital, que se baseiam na expropriação e empobrecimento da grande massa dos produtores, estes limites entram assim em perpétuo conflito com os métodos de produção que o capital deve empregar para atingir seu objetivo, e que perseguem o aumento ilimitado da produção (alô, Moscou?), atribuem a própria produção como objetivo da produção (estão na linha, Kremlin?) e têm em vista o desenvolvimento absoluto da produtividade social do trabalho. Os meios – o desenvolvimento sem reservas das forças produtivas sociais – estão em permanente conflito com o objetivo reduzido, a expansão do capital existente. Se o modo de produção capitalista é assim um meio histórico de desenvolvimento das forças produtivas materiais e de criação de um próprio mercado mundial, é ao mesmo tempo um permanente conflito entre sua missão histórica e suas correspondentes relações de produção social”.

Mais uma vez, é enfatizado que a “política econômica” russa desenvolve, naturalmente, forças produtivas materiais, amplia, naturalmente, o mercado mundial, mas o faz nas formas capitalistas de produção. Constitui, a propósito, um meio histórico útil, como foi a invasão da economia industrial em detrimento dos famintos escoceses e irlandeses, ou entre os indígenas do Extremo Oeste, mas ela não pode afrouxar as mandíbulas inescapáveis das contradições do capitalismo, o que, claramente, aumenta as forças da sociedade, mas tiraniza e escraviza a sociedade dos trabalhadores.

De ambos os lados, portanto, o mercado mundial, do qual Stalin falou, é o ponto final. Nunca foi “único”, exceto no abstrato, e só poderia ser assim naquele hipotético país de capitalismo total e quimicamente puro, cuja impossibilidade provamos matematicamente, de modo que, se nascesse, rapidamente se desmoronaria, como certos átomos e certos cristais que só podem viver por uma fração de segundo. O sonho de um único mercado de libras esterlinas tendo assim caído, Lênin pôde dar a descrição decente da divisão colonial e semicolonial do mundo entre cinco ou seis monstros imperialistas na véspera da Primeira Guerra. Isto não foi sucedido por um sistema de equilíbrio, mas por uma nova e deformada divisão, e Stalin admite isto também, reconhecendo que na Segunda Guerra Mundial a Alemanha, “libertada da escravidão” e “tomando o caminho do desenvolvimento autônomo”, estava certa em dirigir suas forças contra o bloco imperialista anglo-francês-americano durante o conflito. Mas como isto pode ser conciliado com toda a propaganda hipócrita sobre a “guerra não imperialista”, mas “democrática” deste bloco por tantos anos, até o atual alvoroço nos últimos conselhos municipais sobre o perdão do “criminoso de guerra” Kesserling!? Deus ajude os camaradas Tomovich, Dickovich e Harryvich se ousassem perguntar isso!

Uma nova divisão do mundo, então, e uma nova fonte de guerra. Mas antes de passar ao julgamento de Stalin sobre a divisão que se seguiu à segunda guerra, não podemos resistir à tentação de trazer à tona outro trecho de Lenin no Imperialismo, dedicando‑o em particular ao “diálogo” dos últimos dias, do lado econômico. Lênin zomba de um economista alemão, Liefmann, que escreveu para cantar os louvores do imperialismo: “o comércio é uma atividade industrial destinada a coletar, preservar e disponibilizar bens”. Lênin dá um golpe que atinge muitos além de Liefmann: «Segue‑se que o comércio já existia entre os homens primitivos, que nem sequer conheciam o intercâmbio, e que ele continuará a existir na sociedade socialista!». Entende‑se que o ponto de exclamação é de Lênin: o que dizer, Moscou?


Paralelo ou Meridiano

Segundo os escritos de Stalin, o efeito econômico mais importante da Segunda Guerra Mundial, em vez de colocar fora de ação dois grandes países industriais e produtores, em busca de áreas de vendas, como Alemanha e Japão (sem mencionar a Itália), foi quebrar o mercado mundial em dois. Anteriormente, foi utilizada a expressão “desintegração do mercado mundial”, depois ele especifica que o mercado mundial único tinha sido dividido em dois “mercados mundiais paralelos, opostos um ao outro”. Quais são os dois campos, é claro: por um lado, os Estados Unidos, Inglaterra, França, com todos os países que entraram na órbita do Plano Marshall para a reconstrução europeia primeiro, depois a OTAN para a defesa europeia e ocidental, e melhor para o armamento destes. Por outro lado, a Rússia, que sob um bloco juntamente com os “países da democracia popular” e a China, formou com eles uma nova e separada área de mercado. O fato é definido geograficamente, mas os termos utilizados não são muito felizes (exceto pelas falhas usuais dos tradutores).

Vamos assumir por um momento que na véspera da Segunda Guerra Mundial havia um verdadeiro mercado mundial único, acessível em todas as lojinhas aos produtos de qualquer país, ele então não se divide em “dois mercados mundiais”, mas o mercado mundial deixa de existir, e em seu lugar há dois mercados internacionais, opostos, separados por uma rigorosa cortina através da qual (em teoria, e dependendo do que sabem os oficiais aduaneiros, que hoje é muito pouco) não há passagem de mercadorias e moedas.

Agora, isto equivale a admitir que as economias internas nas duas grandes áreas em que a superfície terrestre foi quebrada são “paralelas”, ou seja, do mesmo tipo histórico, e isto coincide com nossa apresentação doutrinária, e contradiz aquela que os escritos de Stalin gostariam de lançar. Em ambos os campos existem mercados, ou seja, mercadorias, ou seja, economia capitalista. Portanto, passemos por cima da frase “mercados paralelos”, mas devemos rejeitar resolutamente uma definição que diz que no Ocidente é um mercado capitalista e no Oriente um mercado socialista (um termo contraditório).

Então: dois mercados “semi-mundiais”, mais ou menos divididos – pelo menos segundo a parte mais avançada do território humano habitado – não segundo um paralelo de latitude, mas segundo o meridiano de longitude da Berlim derrotada. Isso leva a uma conclusão mais notável na escrita de Stalin (especialmente quando comparada à hipótese fracassada do mercado mundial único, completamente controlado por uma federação de estados que saíram vitoriosos da guerra, ou controlado apenas pelo bloco ocidental com o centro de gravidade nos Estados Unidos), que «a esfera de exploração dos recursos do mundo pelos principais países capitalistas (Estados Unidos, Grã‑Bretanha, França) não será estendida, mas será reduzida; que as oportunidades de venda no mercado mundial (diremos: externo) para esses países piorarão, e a contração da produção para suas empresas será acentuada. É disto que se trata o aprofundamento da crise geral do sistema capitalista mundial».

Isso levantou poeira: enquanto as várias marionetes do tipo Ehrenburg ou Nenni são enviadas em turnê para defender a “coexistência pacífica” e a “competição” entre as duas esferas econômicas paralelas, a partir de Moscou ainda afirmam que a esfera ocidental continua sob o risco de sufocar debaixo de uma montanha de mercadorias sem ninguém para quem serem vendidas (nem mesmo para serem dadas como presente, pois as dívidas empilhariam também ainda mais), e explodir como resultado dessa crise. Moscou não vê oportunidade em salvar o Ocidente, nem na retomada frenética dos armamentos, ou com a guerra na Coréia e outros campos da bandidagem imperialista.

Se isto abalou os burgueses, não é suficiente para aquecer nós marxistas. Devemos perguntar o que determinará um processo semelhante no campo “paralelo”, do qual falamos anteriormente; e demonstramos com o texto oficial que a necessidade é a mesma: produzir mais, e de lançar os produtos para o exterior. E depois devemos, como sempre, tirar as conclusões decisivas da nova ascensão da corrente histórica (estalinismo) e da contradição que hoje vemos: de um lado, entre esta tentativa póstuma de colocar em pé a visão revolucionária de Marx‑Lenin – acumulação, superprodução, crise, guerra, revolução!, e, do outro lado, das irreversíveis posições históricas e políticas assumidas durante um longo período de tempo e que os partidos que trabalham nesse Ocidente minado insistem em assumir, em impiedosa contradição com qualquer desenvolvimento da pressão de classe, da preparação revolucionária das massas.


Classes e Estados

Antes da primeira guerra mundial, o confronto se dá entre duas perspectivas. A inevitável luta pelos mercados, que provocará a guerra, e a retomada da tensão imperialista após a guerra, não importa quem a vença, até a revolução de classes ou o novo conflito universal, é a perspectiva de Lênin. O oposto, a visão dos traidores da classe trabalhadora e da Internacional, diz, ao contrário, que se o Estado agressor (Alemanha) for esmagado, o mundo se tornará civilizado e pacífico e aberto ao “progresso social”. Perspectivas diferentes, soluções diferentes: os traidores invocam a união nacional das classes, Lênin invoca o derrotismo revolucionário de classe dentro de cada nação.

O conflito havia sido adiado até 1914, pois o mercado mundial ainda estava “em construção”, no sentido marxista. O conceito básico da formação do mercado mundial, como demonstramos em relação ao mercantilismo capitalista, está baseado na “dissolução no magma econômico único da produção, transporte e venda de produtos” das restritas “esferas da vida” e “círculos de influência”, característicos do pré‑capitalismo, dentro dos quais a produção e o consumo ocorrem com uma economia local, autárquica, como a das jurisdições aristocráticas e dos senhores asiáticos. Enquanto estas “fusões” de manchas de óleo no solvente geral estão ocorrendo em casa e no exterior, o capitalismo mantém o ritmo de seu inchaço “geométrico”, sem explodir.

Isto não significa que as ilhas entrarão num único mercado universal sem barreiras: o protecionismo é algo bastante antigo para as áreas nacionais, e a tendência é que as diversas nações monopolizem os mercados externos, descobertos pelos navegadores, seja por concessões de soberanos e sultões coloridos, seja por empresas comerciais como as holandesas, portuguesas e inglesas, seja com a proteção das frotas estatais de guerra, e no início até mesmo com navios piratas, exploradores “guerrilheiros” do mar.

Em todo caso, na descrição de Lenin não estamos apenas na quase saturação do mundo, mas os últimos a chegar estão em dificuldades em suas áreas de venda; daí vem a guerra.

Segunda Guerra Mundial. Segundo Stalin, o reaparecimento da Alemanha como um grande país industrializado foi instigado pelas potências ocidentais, que estavam muito felizes em rearmarem o bastião contra a Rússia. Na realidade, as razões para isto devem ser vistas principalmente no fato de que o território alemão não foi devastado durante a guerra e não foi ocupado por forças militares após o cessar-fogo. No mesmo fôlego, Stalin admite que as causas imperialistas e econômicas, e não as “políticas” e “ideológicas”, foram decisivas para a eclosão da Segunda Guerra Mundial, especialmente desde que a Alemanha havia jogado seus exércitos primeiro para o Ocidente e não para a Rússia. Assim, continua sendo verdade que a guerra de 1939‑45 foi uma guerra imperialista. Consequentemente, havia novamente as duas perspectivas: ou novas guerras (independentemente de quem venceria) ou revolução (desde que a guerra não fosse respondida com a “parceria social” nacional, mas com luta de classes) e, em contraste, a perspectiva burguesa, idêntica à da Primeira Guerra Mundial: tudo depende da repressão da criminosa Alemanha; se isto for bem‑sucedido, o caminho está livre para a paz, o desarmamento geral, a liberdade e a prosperidade dos povos.

Stalin está agora assumindo a primeira perspectiva leninista e coloca em primeiro plano a causa imperialista da guerra e a luta pelos mercados; mas agora é tarde demais para alguém que ontem jogou todo o potencial do movimento internacional na outra perspectiva: a luta pela libertação do fascismo e do nacional-socialismo. Hoje, a incompatibilidade das duas perspectivas é reconhecida; mas por que então se continua a impulsionar o movimento (agora despedaçado) no caminho do progresso liberal e pensamento pequeno-burguês, da “guerra das ideias”?

Talvez para preparar a nova guerra, para ser apresentada como uma luta entre o ideal capitalista do Ocidente e o ideal socialista do Oriente? Para jogarem‑se na rivalidade idiota das quadrilhas políticas de um lado e do outro, cada uma das quais espera afogar a outra na acusação feroz de “fascismo”?

Bem, o interessante da escrita de Joseph Stalin é que ele diz: “não”.

Nada perturbado pela responsabilidade histórica de ter quebrado a teoria de Lênin sobre a inevitabilidade das guerras entre países capitalistas e sobre a única saída na revolução de classes na Segunda Guerra Mundial, e pior ainda, por ter quebrado o único slogan político consistente com essa teoria, ordenando aos comunistas, primeiro na Alemanha, depois na França, Inglaterra, América, que façam a paz social com seu estado e governo burguês, o líder da Rússia de hoje reclama daqueles camaradas que acreditam na necessidade de um confronto armado entre o mundo “socialista” e o mundo ou meio mundo “capitalista”. Mas, ao invés de desviar tal profecia com a desgastada doutrina do pacifismo, da competição, da coexistência dos dois mundos, ele diz que apenas “em teoria” é o correto que “as contradições entre capitalismo e socialismo são mais fortes” hoje e no futuro “do que as contradições entre os países capitalistas”.

Pode‑se perfeitamente considerar, por parte de verdadeiros marxistas, todas as previsões sobre os contrastes dentro do grupo Atlântico, e sobre o ressurgimento de capitalismos autônomos e fortes nos países derrotados, como Alemanha e Japão. Mas o ponto de chegada de Stalin é bem analisado, na formulação em que vemos invocada por analogia a situação lembrada da eclosão da Segunda Guerra Mundial: «a luta dos países capitalistas pelos mercados e o desejo de submergir seus próprios concorrentes provou na prática ser mais forte do que os contrastes entre o campo dos capitalistas e o campo do socialismo». Mas que campo do socialismo? Se, como foi demonstrado por suas palavras, seu campo (que você rotula de socialista) produz mercadorias para o mundo exterior a um ritmo que você quer maximizar, não estamos aqui falando da mesma “luta pelos mercados” ou a mesma “luta para afogar (ou não afogar, o que equivale à mesma coisa) o concorrente”? E na guerra, vocês não poderiam ou não deveriam também entrar, como produtores de mercadorias, o que em linguagem marxista significa como capitalistas?

A única diferença entre vocês russos e os outros é que aqueles países industriais plenamente desenvolvidos já estão além da alternativa de “colonização interna” das ilhas pré‑mercantis que sobreviveram, e vocês ainda estão totalmente engajados neste campo. Mas a consequência disto é apenas uma: quando a guerra vier inevitavelmente, aqueles no Ocidente terão mais armas e, depois de terem espremido cada vez mais vocês no campo da concorrência do mercado (tendo aceitado a troca de produtos e moedas, enquanto se vocês permanecerem no campo emulativo não terão outra forma a não ser a dos baixos custos, baixos salários e esforços de trabalho enlouquecedores do proletariado russo), eles os derrotarão no campo militar.

Como sair disso para evitar a vitória americana (que também é para nós o pior dos males)? A fórmula de Stalin é espertinha, mas é a melhor maneira de continuar a embalar o proletariado revolucionário para dormir, e fazer para o imperialismo americano o serviço mais alto. Ele evita declarar a qualquer instância a famosa “guerra santa”, o que equivaleria a se colocar sob uma luz desfavorável na discussão mundial idiota sobre o agressor, e se retira para um “determinismo econômico” adulterado. Mas isto não significa para ele um retorno ao plano da luta de classes e da guerra de classes (um retorno que é historicamente impossível de qualquer forma).

A linguagem estalinista é bastante duvidosa: como disse Lênin, a guerra é travada entre os estados capitalistas. E o que vamos fazer? Chamamos, como ele fez, os trabalhadores de todos os países em ambas as frentes para a guerra de classes, para mudar as armas? Nunca mais. Vamos repetir a mesma manobra elegante que fizemos na Segunda Guerra Mundial. Estamos nos unindo a uma das duas coalizões, por exemplo, França e Inglaterra contra os EUA. Desta forma, estamos quebrando a linha de frente e chegará o dia em que enfrentaremos o “último índio”, não importa se é ou não um antigo aliado.

Nos corredores escuros, isto é presenteado aos últimos proletários ingênuos, não conformados com aqueles que ainda não estão satisfeitos com meios piores.


Guerra ou Paz?

Mas então, muitos perguntaram ao líder supremo, se novamente acreditamos na guerra inevitável, o que fazer da vasta máquina que montamos para a campanha pacifista?

A resposta reduz a possibilidade de agitação pacifista a proporções muito miseráveis. Pode “adiar alguma guerra em particular”, pode‑se transformar um governo belicista em um governo pacifista (mas isso vai ou não mudar seu apetite pelos mercados, o que demonstramos dez vezes como fato?). Mas a guerra continuará a ser inevitável. «É possível que, numa determinada zona, a luta pela paz» (como movimento democrático e não como movimento de classes) «se desenvolva numa luta pelo socialismo». Então neste caso não será mais uma questão de garantir a paz (o que é impossível), mas de derrubar o capitalismo. E o que dirá Ciccio Nitti? O que dirão os cem mil tolos que acreditam na paz mundial, e na paz social interna?

Para eliminar as guerras e sua inevitabilidade, tal é a conclusão, é necessário destruir o imperialismo.

Ótimo! E então, como destruiremos o imperialismo?

Stalin diz: «O movimento atual para manter a paz difere do movimento que desenvolvemos na primeira guerra mundial para transformar a guerra imperialista em guerra civil, uma vez que este último movimento foi mais longe e perseguiu objetivos socialistas». Muito claramente: o slogan de Lenin era a favor da guerra civil social, ou seja, a guerra do proletariado contra a burguesia.

Mas vocês, já bem antes da Segunda Guerra, jogaram a guerra social no lixo e desenvolveram a guerra “colaborativa” nacional e a guerra “guerrilheira”, ou seja, vocês rejeitaram a guerra social, defendendo um campo burguês e capitalista contra o outro.

Enfrentaremos então o boi do imperialismo – pelo chifre da paz ou pelo chifre da guerra? Se um dia o imperialismo e o capitalismo caírem, será em tempo de paz ou em guerra?

Em tempos de paz, vocês dizem: não fodam a URSS e nós agiremos de forma totalmente legal; portanto, nenhuma palavra sobre a queda do capitalismo.

Na guerra, vocês dizem: não é mais o caso da guerra civil em toda parte, como na Primeira Guerra, mas os proletários seguirão a ordem de observar qual lado do campo capitalista tomaremos, usando nosso aparato militar e estatal de Moscou. E é assim que, país por país, a luta de classes é sufocada na lama.

Sem dúvida, o Grande Capital, o que quer que ele diga com os discursos parlamentares e jornalísticos, entende bem que a “carta” de Stalin não é uma declaração de guerra, mas uma apólice de seguro de vida.


Jus Primae Noctis

Após descrever o grande trabalho realizado pelo governo russo nos campos técnico e econômico, Stalin disse, pelo menos nos primeiros relatórios: «Fomos confrontados com um “solo virgem” e tivemos que criar formas de economia a partir do zero. Esta tarefa, sem precedentes na história, foi honrosamente cumprida».

Bem, é verdade: vocês se encontraram em solo virgem. Foi sua fortuna e a desgraça da revolução proletária fora da Rússia. A força de uma revolução, seja ela qual for historicamente, continua com todo seu vigor quando tem que enfrentar apenas os obstáculos de um terreno selvagem e feroz, mas virgem e intocado.

Mas nos anos em que, após a conquista do poder no imenso império dos czares, os delegados do proletariado vermelho de todo o mundo se encontraram nos cintilantes quartos do trono de ouro barroco do Kremlin, e tentaram traçar as linhas da revolução que iria derrubar as fortalezas imperiais burguesas do Ocidente, algo fundamental foi dito em vão; e nem o Vladimir o entendeu. É por isso que, mesmo que o balanço das grandes barragens, das grandes centrais elétricas e da colonização das grandes estepes se feche com honra, o da revolução no mundo capitalista do Ocidente fechou não só de forma humilhante, o que seria uma coisa pequena, mas com um desastre do qual ele não será capaz de recuperar durante longas décadas à frente de nós.

O que foi dito em vão: no mundo burguês, no mundo da civilização cristã parlamentar e da produção mercantil, a Revolução estava em frente a um terreno de prostituição.

Vocês deixaram este terreno ficar poluído e perecer.

Mas a Revolução renascerá, mesmo a partir desta experiência sinistra.